Artigo: O ovo da serpente
Por: André Naves*
Gostaria de trazer a vocês um tema que eu acho pesado, mas fascinante. Eu sempre trabalhei com as minorias, inclusive com pessoas com deficiência, com todo o tipo de deficiência. Há 20 anos atrás eu sofri um acidente de carro. Foram mais de 45 dias em coma, mais de seis meses sem andar e aí comecei um processo de reabilitação.
Antes de mais nada, gostaria de enfatizar que todos nós estamos conectados de alguma forma. Todos nós temos laços que nos unem, ainda que nós não nos conheçamos. E aí vou discorrer sobre eugenia e lembrar o holocausto nazista. Quais são as bases da eugenia? São a ignorância e o preconceito. E eu comprovo que, infelizmente, essas bases estão vivas até hoje. Tenho certeza absoluta de que algumas dessas ideias sobre eugenia muitos já pensaram: vamos esterelizar essas pessoas que nada têm a oferecer; a solução seria que elas desaparecessem. A gente tem, sim, uma ideologia preconceituosa, baseada na ignorância, porque nós não enxergamos o outro, nós não percebemos a existência do outro.
Existe um risco real, então, dessa ideologia, dessas ideias que estão dormentes em nós, emergirem? Existe, sim, esse risco real! Eu recomendo o filme O ovo da Serpente, que termina quando Hitler é preso no Putch ( “golpe” em alemão) da cervejaria. Ali, já está vislumbrado, tal qual o o ovo de uma serpente, todo mal daquela ideologia que mais tarde iria emergir.
Recentemente, vendo imagens na TV de ciclismo, da Volta da Espanha; e o início das provas, na Holanda, vi um protesto de agricultores, o que é super válido. Protesto semelhante aconteceu no Tour de France, no Giro da Itália… o mundo todo está passando por um processo de crise econômica, salpicada por guerras e mais guerras. Guerras para as quais nós mandamos armas, mandamos recursos e esses recursos acabam por irrigar núcleos de crime organizado pelo mundo.
Existe um risco real desse tipo de ideologia, do autoritarismo, do totalitarismo, emergirem, se nós não fizermos nada! Mas nós somos seres humanos. Nós também produzimos, além dos riscos reais, alguma coisa de belo. É preciso acreditar na educação das crianças. Na educação para a tolerância, para a diversidade, para que elas possam perceber que o valor da humanidade está na diversidade, em sermos plurais.
Então, o que precisamos para que o risco do nazismo e tudo o que está envolto nessa ideologia nunca mais se concretize? Precisamos construir bases, estruturas sociais que sejam efetivamente inclusivas. Precisamos atuar com disciplina, perseverança, mas acima de tudo, com alteridade, olhando uns para os outros; percebendo nossas diferenças, nossa pluralidade. São essas diferenças a maior força da humanidade. Nós não somos sozinhos, precisamos uns dos outros, sempre; de toda união, de toda unidade.
Discursos baseados na ignorância, discursos ignorantes que culpam, por exemplo, os povos indígenas pelo nosso atraso; são discursos que não percebem que esses povos desenvolveram toda uma estrutura de proteção ambiental. Temos também discursos de ódio sendo repetidos contra povos quilombolas, ignorando que os quilombolas trouxeram para a nossa agricultura técnicas de coordenação entre lavoura, pecuária e floresta. E que são essas técnicas que estão impulsionando o agronegócio brasileiro hoje em dia.
Nós precisamos passar a olhar para o outro e enxergar que essa diversidade é a nossa maior vantagem. Precisamos aprender a nos conectar. Saber que a nossa diversidade é que move a humanidade. O progresso, justo e sustentável, está na nossa diversidade.
Precisamos entender, de uma vez por todas, o que o sábio Hilel já nos aconselhava, há muitos séculos atrás: Se não por nós, por quem? Se não agora, quando?
*André Naves é Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos e Sociais. Escritor, professor e palestrante.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.