22 de dezembro de 2024
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Artigo: 1954-2022 – MANOEL J. PIRES

Um trabalhador da cultura.

Por: Nilton Morselli

Foi sepultado na tarde de quinta-feira (30) o corpo do jornalista, escritor e advogado Manoel José Pires Neto. Ele sofreu um infarto na noite anterior, na Santa Casa, onde estava internado desde segunda-feira para tratar de problemas no pâncreas.

Manoel J. Pires, como assinava seus livros, será lembrado como um trabalhador da cultura e das letras taquaritinguenses. Ele lançou mais de 20 livros, todos de produção independente, com temas diversos. O amor, em suas mais variadas vertentes, é o eixo central de suas obras, que estão na estante de muitos lares taquaritinguenses.

Manoel deixa a mãe, dona Nasa Tannus Pires. Seu pai, Antonio Ubirajara Pires, o Tonéca, também foi colaborador da imprensa, além dos irmãos Chaminho e Araquém e do sobrinho Bruno (filho de sua querida irmã Aloma, precocemente falecida). A morte da irmã o marcou profundamente.

Dono de uma das bibliotecas particulares mais volumosas e importantes de Taquaritinga, Manoel trabalhou como repórter da “Folha de S.Paulo” antes de voltar a Taquaritinga. O exímio contista e fã de Vinicius de Moraes decidiu ganhar a vida escrevendo e vendendo histórias, reais ou ficcionais.

Já na maturidade, Manoel resolveu estudar Direito. Após se formar em Ribeirão Preto, mergulhou na ciência criminal, ganhando rápido reconhecimento em virtude de seus sólidos conhecimentos. Dizia que preferia atuar para os pobres, aqueles que geralmente são os mais desassistidos.

O escritor Manoel J. Pires com o jornalista Nilton Morselli, em foto tirada na redação do Nosso Jornal, logo depois da primeira audiência como advogado

Além de todas as atividades, Manoel não se descuidava da mãe, que tem 91 anos. Dona Nasa compareceu ao velório e, naqueles instantes, foi comovente ver a memória de uma senhora regredir a ponto de imaginar-se diante do filho que dormia e se recusava a levantar da cama “para fazer a lição”.

Manoel J. Pires, embora a caminho dos 70 anos, exibia a jovialidade dos literatos, a cabeça sempre no ritmo dos embalos e ideias que os livros impregnam em quem os devora com assombroso apetite. Ostentava a leveza dos que escrevem sob o fascínio de musas que ele mesmo elegia.

O Direito roubou muito do tempo do escritor. Por isso, o último livro saiu em 2018. Depois da melhor obra da fase pós-faculdade de Direito, “Sedução” (de 2014), com “Universo da Palavra” o advogado taquaritinguense se voltou à matéria prima de todos os profissionais que lidam com a escrita.

“A ideia de escrever esse livro nasceu da leitura de ‘O Romance morreu’, de Rubem Fonseca, o melhor escritor vivo do Brasil”, disse Manoel. “Tento mostrar a importância da palavra frente à supremacia da comunicação visual. É uma modesta contribuição, mas sincera.”

Para o autor, o livro é uma forma de cultuar a menor e mais importante unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação. “É também para que as pessoas descubram o universo da palavra, e percebam que a literatura desencadeia o processo de raciocínio, enriquece o vocabulário, atiça a imaginação e, sobretudo, desperta e desenvolve a consciência crítica.”

Manoel contou como transformou em livro o material que guardou por décadas, como recortes de jornais, entrevistas com escritores latino-americanos e trechos de romances que de alguma forma envolvem a arte de transmitir ideias por meio de frases.

O livro é o único no qual se transcreve a resposta à Carta do descobrimento (de Pero Vaz de Caminha) escrita em 1977 por Paulo Mendes Campos, além de mostrar que o CAT faz parte da história da literatura brasileira. “A referência se encontra no livro ‘Zero’, de Inácio de Loyola Brandão. Há também referência a Taquaritinga na obra de Cora Coralina, no livro ‘O Tesouro da Casa Velha’, revelou o pesquisador, que nasceu em Jurupema no dia 11 de março de 1954.

“Nada se compara à força da palavra. Digo isso de experiência própria. A palavra seduz. O Brasil ainda vai descobrir isso”, esperançou o escritor. Que a Biblioteca Municipal possa reservar um cantinho para reunir a obra completa desse que foi um incansável trabalhador das palavras e, como ninguém, conseguiu captar a essência das nossas paixões, inquietudes e provincianismos.

*Nilton Morselli é jornalista e assessor de imprensa da Câmara Municipal de Taquaritinga.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.