Artigo: Lygia não morreu!
Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna
Lygia não morreu, leitores! Sim. Ela permanecerá eterna diante dos seus escritos. Descobri Lygia quando cursava o Ensino Médio. Lendo Caio Fernando Abreu em sua seção semanal no periódico Estadão. O escritor gaúcho, falecido em 1996, era amicíssimo da Dama da Literatura Brasileira. Escritas fortes, marcantes, indeléveis. O leitor deve se perguntar por que não descobri Lygia Fagundes Telles na escola. Esta não fora enfatizada. Apenas mais uma como muito se fez diante da Literatura Feminina Brasileira. Além de viva, Lygia era mulher. A Escola possui o gosto fúnebre pelos espectros de escritores. Tanto é que os alunos sempre nos perguntam: “Por que só tratamos dos escritores falecidos?”.
Lygia era mágica, utilizava-se dos elementos fantásticos na composição de suas narrativas. Jamais me esquecerei de “Venha ver o pôr do sol”. Que angústia me dava, porém ao mesmo tempo parava e refletia diante da genialidade daquela que foi nossa maior e vital contista. E o que dizer de “As formigas”, conto presente no livro “Seminário dos ratos”. “As formigas” conta a história de duas amigas – primas e universitárias – que se mudam para uma pensão. Daí em diante o trabalho desenvolvido pelos insetos torna o conto um dos mais perfeitos que li. De uma precisão machadiana. Sempre pensei neste conto e “Venha ver o pôr do sol” adaptados para o cinema. Seria “massa” vê-los diante de uma composição seriada por essas plataformas de streaming.
Em 1973, diante do Regime Militar, a escritora paulistana compõe o romance As Meninas que traça um paralelo entre a vida de três jovens – Ana Clara, Lia e Lorena – que vivem em um pensionato de freiras em São Paulo durante o período da ditadura militar no Brasil. Com personalidades, histórias de vida e sonhos totalmente diferentes, a história é vista sob a óptica das três personagens. O foco narrativo em 1ª pessoa, desloca-se constantemente para o fluxo de consciência das três amigas, que se entrevistam, que se apresentam umas às outras e ao leitor, que refletem continuamente sobre si mesmas e umas sobre as outras, arrastando-nos nessas frequentes invasões à privacidade de Ana Clara, Lorena e Lia. Reparem que as personagens possuem um fluxo linguístico, “dialeto” coloquial – o discurso mais elaborado e culto de Lorena, o regionalismo politicamente engajado de Lia e o pensamento confuso e truncado de Ana Clara. Emancipação feminina, liberdade são temas propostos nesta narrativa engajada diante de um período conturbado. O quarto de Lorena é uma vitrine, acolhedor, com mais recursos e ponto de encontro entre as três jovens. Lygia era corajosa. Lygia era as meninas. O Direito a perdeu, a Literatura foi contemplada.
O sobrenatural, o medo, o tempo, o infinito, o inexplicável são temas que muito instigam o espírito humano. Lygia Fagundes Telles é mergulhar na intensidade e nos conflitos de um espírito verdadeiramente humano. Lygia vive!
*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.