Artigo: Povo marcado, povo feliz
Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*
Há livros que passaram pela minha vida e causaram um rebuliço. Não sei se com vocês foi assim. Porém, há obras que desinquietam emoções. Mexem com os sentidos. Desestabilizam-nos. Todavia, essa desestruturação é realizada em prol da reflexão. O escritor Franz Kafka tem uma frase que simboliza este momento: “Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós”. Perfeito. O escritor tcheco era de poucas palavras, porém eram estas intensas e provocativas.
Ler um livro apenas para adentrar ao seleto grupo de leitores brasileiros não vale. É empreender um esforço desnecessário. Interessante que esse selecionado de brasileiros leitores atinge números ínfimos, preocupantes. Pertencemos a um momento em que as redes sociais, assim como os demais meios tecnológicos proporcionaram o acesso ilimitado à leitura. Hoje, lê-se muito mais que no passado. Se num passado não tão distante as bibliotecas citadinas ficavam cheias, principalmente no horário do almoço, hoje, estas, encontram-se vazias. É lógico que os amantes da boa leitura e das pesquisas sérias ainda as procuram, contudo, o número diminuiu. Somos muitos analfabetos funcionais, que se juntam aos analfabetos e analfabetos digitais.
Louvemos sim a atitude de formação de leitores com o advento da tecnologia, exaltemos o acesso fácil e rápido à informação, porém há o seu antônimo, seus pontos negativos. Informação não pode ser confundida com formação. Assim como o ato de navegar, hoje, associa-se muito mais ao ato de naufragar. Criou-se uma geração de devoradores de textos, todavia estes não são capazes de buscarem a informação correta, tornando-se críticos, analistas dos assuntos em pauta. Há uma geração que afunda a cada período exposto pelo texto expositivo, pois pouco compreendem do assunto tratado; quando a tipologia textual traz o texto dissertativo, o “bicho pega”, pois a dificuldade é diferenciar fato de opinião. A informação hoje carece de leitores. Leitores aptos a desvendarem esse iceberg chamado texto. Criou-se uma geração com muita informação, mas limitada em compreender. Geração esta que apenas decodifica e memoriza o que foi lido. Não consegue ir além do ponto-final. Jovens que acreditam em tudo aquilo que foi escrito, que não consegue ir além da denotação. Seres cansados por não fazerem nada. Acostumados ao não-diálogo, ao uso da violência, à distorção dos fatos, a inventar desculpas para esconderem seus atos mais vis. Uma geração criada aos cuidados daqueles que foram execrados da sociedade por serem diferentes. Hoje, criou-se uma legião de canceladores que se orientam por dicas de youtubers ou se informam no Wikipédia.
Se listássemos os clássicos nacionais ou internacionais, poucos destes moçoilos e moçoilas saberiam apontar seus autores e o que relatam tais tramas. Talvez reconheçam por uma série assistida, que tenha mencionado algo sobre o Fulano autor ou a dita obra. Nada além disso. E o resultado está aí. A escolha de péssimos condutores para o nosso País. Vivemos um momento em que o aglomerado de maus políticos infectou o cenário. Não só devido aos baixos índices educacionais dos nossos legisladores e executores, mas também pela súcia expandida. São políticos que flertam com a ignorância e a tem como um aspecto positivo. E aí a ignorância destes não é devido a pobreza, pelo contrário, é por acharem que o dinheiro é capaz de tudo. Tempos difíceis, todavia foi o povo quem escolheu. Povo que escolheu ler “Brilhante Ustra” ou a estes compêndios de autoajuda que mais funcionam como prozacs do século XXI.
Ao mesmo tempo em que os meios para a leitura se expandiram, a formação de leitores tornou-se apática e de baixa qualidade, formando assim uma geração de ruminantes acostumada a um cercadinho. Como brada Zé Ramalho: “…povo marcado, povo feliz”.
*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.