22 de novembro de 2024
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Artigo: O que ouve ou houve?

Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

“A gente escreve o que ouve – nunca o que houve”. Esta frase, escrita no prefácio do texto Serafim Ponte Grande, em 1926, pertence a um dos mais importantes escritores brasileiros, Oswald de Andrade. Este, um dos idealizadores do Movimento Modernista no início do século passado, além da Semana de Arte Moderna de 1922, cujo centenário foi comemorado o mês passado. Autor de obras consagradas como a peça teatral, “O rei da vela”, Oswald sabia usar como poucos a figura de linguagem, ironia. O escritor paulistano influenciou gerações como os concretistas, através de seus poemas-pílulas, além do Tropicalismo. Todavia, a frase que abre este parágrafo é notável, estupenda, sensacional. Típica dos grandes autores, dos geniais escritores, daqueles cuja a inspiração mistura-se à transpiração e produzem a cada século poucos desses seres humanos.

Peço licença aos leitores para adaptar, parafrasear a frase do consagrado modernista para o momento presente. Não que a mesma esteja desgastada pelo tempo, pelo contrário, és uma expressão atemporal. Estávamos diante de visionários, homens e mulheres a frente de seu tempo, seres que dialogavam com o futuro. E diante dessa projeção modernista-paulistana, talvez macarrônica, dialogo com as barbaridades que permeiam estas primeiras décadas do século XXI. Um século que começara esperançoso, atrevido, acompanhado da revolução tecnológica, da transformação profissional, da escalada pelo consumismo, de um mundo que seria solidário, cercado por gestores que pensariam em seu povo, nas ânsias e amarguras dos mesmos, líderes revolucionários, seres humanos empáticos, dotados de gentileza. Contudo, parece que a canção de Marisa Monte ecoou, ou seja, tudo tornou-se cinza, eles, apagaram tudo, sujaram tudo de tinta. O povo humilde, marginalizado não obteve tempo de saborear os direitos que se avizinhavam, porque a elite não permite. Os abastados financeiramente buscam a ignorância e lutam para o progresso da ignorância, aliados a tirania de inúmeros políticos, que almejam apenas o poder.

E diante de toda essa manobra arquitetada (não pensem os leitores, que os mesmos não sabem o que estão realizando. Sabem sim! A intenção é a busca do caos, o lançamento de inverdades, a deterioração do sistema democrático), lançam-se através da pós-verdade transformada em fakenews. A frase exposta na introdução deste artigo de opinião merece uma adaptação, “A gente fala o que ouve – nunca o que houve”. Foi desta forma que o ministro da Propaganda do nazismo, Joseph Goebbels, difundiu essa página sanguinária e nojenta da história. Tornando a mentira repetitiva, transformando-se assim em uma verdade. Uma atitude monstruosa, nascida de mentes insanas, estas que se ocupam do poder, destes que executam às leis. Leis elaboradas por legisladores comprometidos com o umbiguismo, com o coleguismo, alicerçados em palavras de fé, disseminam a mentira e conclamam os seus a derrubarem um cenário inexistente. O historiador Yuval Noah Harari em sua obra “Sapiens” deixa nítido, que a mentira é milenar, ou seja, com o surgimento do homo sapiens, e consequentemente o uso do pensar, o homem passou a elaborar inverdades para poder sobreviver e exterminar os seus rivais. Isso há mais ou menos 30 mil anos. Portanto, tal prática ultrapassou milênios e ganhou contornos diante do homem atual. Somos cercados pela hipocrisia, estamos limitados a discursos falaciosos, mentiras arquitetadas para satisfazer aos seus.

É certo, que necessitamos de modernistas feito Oswald e os seus amigos para romper com essa política caótica, indigesta, exploratória, nefasta, xenofóbica. Não há mais espaço para discursos belicosos escarrados pelo presidente da República e seus súditos, assim como atitudes como a do deputado apelidado de “Mamãe Falei”. Chegou o momento de rompermos com estes que apenas almejam locupletar-se; gritarmos contra a violência que mata os excluídos e que alimenta a indústria bélica e seus asseclas; bradarmos contra esses templos religiosos que enriquecem à custa de pessoas que clamam por atenção, carinho, um lugar para sentirem-se bem; não votarmos em cidadãos que se lançam à Política apenas para se abarrotarem de benesses financeiras e favores ilícitos. Não podemos mais admitir, sermos governados por aqueles que difundem o que ouve, e não o que houve.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.