23 de dezembro de 2024
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Artigo: Visita inoportuna

Por: Rodrigo Segantini*

Jair Bolsonaro foi à Rússia. Muitas pessoas disseram que não era um bom momento, devido à iminência de uma guerra na região. Mesmo assim, o presidente decidiu manter a viagem. Na pauta oficial, uma discussão a respeito do fornecimento de matéria-prima para insumos fertilizantes, algo muito importante para a economia brasileira, fortemente baseada no agronegócio. Na pauta real, mas não às claras, o que mais pesará é uma conversa a respeito do incremento dos negócios relativos à indústria bélica. Prova disso é que a comitiva brasileira à Rússia não leva notáveis do ministério da Agricultura, mas sim o próprio ministro da Defesa.

A viagem é feita agora a convite do presidente russo Vladimir Putin. Coincidiu de acontecer em uma oportunidade muito inconveniente, pois, afinal, ninguém esperava no tempo em que Putin propôs essa visita, há quase um ano, que uma tensão como essa iria acontecer bem agora. A intenção de Putin é aproveitar que Bolsonaro torce o nariz para Joe Biden, atual presidente dos EUA, e fazer com que o Brasil afrouxe um pouco o nó que o mantém amarrado com seu parceiro comercial norte-americano e atrai-lo para se tornar consumidor dos produtos militares produzidos na Rússia, que tem atualmente entre seus grandes clientes a Venezuela, a China e a Coreia do Norte. Portanto, ao visitar a Rússia para tratar de negócios da indústria bélica em um momento em que os EUA e a Europa aguardam o começo da III Guerra Mundial, Bolsonaro quase que coloca o Brasil no meio de uma crise da qual, de forma alguma, nosso país e nossa gente querem fazer parte – tudo por birra com Biden…

Essa crise que pode dar causa a uma guerra e que seria um bom motivo para Bolsonaro não ir a Rússia é fácil de entender, mas é preciso que o leitor preste bem atenção para entender todas as entranhas históricas deste fato presente. A Rússia é o maior país do mundo atualmente, mas o povo russo começa com descendentes vikings vindo da Europa rumo ao leste e se estabeleceram onde hoje é a Ucrânia, na região de Kiev, por volta do século IX. Portanto, para os russos, a Ucrânia é o berço de onde a Rússia veio. Além disso, Rússia e Ucrânia fizeram parte da União Soviética, de modo que, por muito tempo, estiveram irmanadas em um mesmo país, no qual a Rússia garantia a proteção aos ucranianos e a Ucrânia garantia energia nuclear (vide Chernobyl), gás natural, petróleo, matéria-prima minerais. Então, a Rússia vê a Ucrânia como parte de si, como um parente muito próximo – e, principalmente, como sua única saída para o Oceano Atlântico e sua melhor via marítima.

A Ucrânia, no entanto, não sente tanto apreço assim pela Rússia. Quando os eslavos vikings chegaram na região de Kiev, aquele lugar já era ocupado há mais de dois mil anos. Então, ao dominar os nativos para impor a formação de uma nova comunidade, isso deixou aquele povo magoado. Entre o século XI e o século XX, a Ucrânia nem sempre foi aliada da Rússia e foi passando de mão em mão entre outros reinos e impérios, como a Polônia, a Lituânia, a Áustria, a Hungria e a Alemanha, exatamente porque a Rússia não lhe dava a importância esperada. Quando ambas fizeram parte da União Soviética, Stalin provocou um holocausto na Ucrânia e o governo soviético não foi tão proativo para resolver o que houve a partir do desastre nuclear de Chernobyl. Mais recentemente, a Ucrânia se magoou quando a Rússia invadiu e tomou para si as terras da Crimeia. Por isso, o povo ucraniano prefere se identificar como europeu, mesmo que o povo russo, apesar de maltratá-los tanto, discorde disso.

Por causa do sucesso em anexar a Crimeia, Putin resolveu tentar invadir mais um pedacinho da Ucrânia. Os ucranianos perceberam, reclamaram e os EUA se propuseram a defendê-los para não deixar isso acontecer por meio da OTAN, que é a aliança militar entre os norte-americanos e a maioria dos países da Europa. Em razão disso, Rússia e China estão rosnando de um lado e EUA e Europa rosnando do outro, enquanto a Ucrânia está no meio. Com a ida de Bolsonaro à Rússia, está sinalizado que o Brasil, sem ter sido convidado para a festa, está se dispondo a tomar partido e entrar nesta disputa.

Enquanto Bolsonaro viajava até a Rússia, Putin, que até então mandava mais e mais tropas até a fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, provocando o Ocidente, decidiu dar uma aliviada na pressão e recuar com as forças militares naquela região porque a coisa estava ficando séria. A equipe do Gabinete do Ódio, com sua desfaçatez peculiar, sugeriu que o presidente brasileiro foi o responsável por selar a paz que motivou essa manobra e houve até quem propusesse que Jair fosse indicado ao Prêmio Nobel da Paz por causa disso. Na verdade, bem longe disso. Bolsonaro, na verdade, é uma visita há muito tempo agendada, que chega em um momento inoportuno para o mundo, mas conveniente para a Rússia. Porém, se fosse indicado mesmo ao Nobel da Paz, não seria de todo estranho: Hitler, Stalin e Mussolini também foram indicados na década de 1930 e 1940 à mesma láurea.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.