Artigo: A batata está assando
Por: Rodrigo Segantini*
Uma das coisas pelas quais nossa cidade é muito conhecida é o carnaval. Nossa celebração desta festa popular, reconhecidamente uma das melhores da região, atrai gente de todos os lugares e sempre é matéria em vários canais de mídia, sendo uma belíssima propaganda positiva para Taquaritinga. Mas será que já é hora de voltarmos a nos aglomerar?
Essa pergunta está esquentando os diálogos por aqui. Muitos reclamam que o Carnaval é uma oportunidade de trabalho e de circulação de dinheiro necessária para a economia da cidade, razão pela qual a festa deve acontecer, como tradicionalmente foi; outros alegam que a pandemia de covid-19 ainda não está resolvida e que, embora pareça que a situação está controlada, ainda é necessário ter cautela para evitar uma nova onda da doença, como já se verifica na Europa.
A origem do Carnaval está nas festas aos deuses da Antiguidade, quase sempre relacionada com a chegada da primavera no hemisfério norte (outono aqui no hemisfério sul). Com a ascensão do cristianismo, essas festas ganharam novos significados. Assim, o Carnaval se tornou um tempo que antecede à Quaresma, período preparatório para a Páscoa e que se reporta ao tempo em que Jesus esteve no deserto e foi tentado pelo demônio três vezes.
No Brasil, o Carnaval surgiu com o costume português de as pessoas atirarem água, farinha e ovos umas nas outras durante essa época do ano. Com o tempo, água, farinha e ovos foram substituídos por confetes e serpentinas. A música é uma mistura dos batuques e ritmos trazidos pelos africanos escravizados e os gêneros musicais portugueses.
O carnaval em Taquaritinga nos últimos 60 anos saiu dos salões de baile dos clubes e associações para ir para as ruas graças a um grupo de jovens irreverentes que resolveram afrontar o status quo da sociedade de então. Daí, aquela caixinha de som em uma Kombi em torno da qual uma dúzia de garotos dançavam vestindo mortalhas cresceu e se tornou um caminhão de som pilotado por um DJ que comandava cinco noites de festa reunindo dezenas de milhares de pessoas. As tradicionais representações das escolas de samba dos bairros, que seguem presentes, deram espaço também para blocos que se organizam em repúblicas.
Todos sabemos que o Carnaval é muito importante para a cidade, faz parte da identidade de Taquaritinga e uma parte significativa da população leva muito em conta essa efeméride. Ainda que aleguem que não faz sentido liberar as atividades do comércio, as aulas e as reuniões de pessoas e proibir o Carnaval, atividades de comércio se refere a empregos imprescindíveis à subsistência das pessoas, aulas se referem à formação de nossos cidadãos e reuniões de pessoas se referem às atividades básicas de uma sociedade. Carnaval é muito importante, mas não é imprescindível à subsistência das pessoas, não se presta à formação de nossos cidadãos e nem se trata de uma atividade básica da sociedade.
Todos sofreremos por não ouvir o Batatão anunciando sua alegria no meio da multidão. Todos sofreremos por não ver os desfiles dos blocos. Todos sofreremos porque as repúblicas estarão fechadas. Mas, ao optar por não realizar o Carnaval como conhecemos, estaremos tomando o cuidado necessário para não sofrermos com o sistema de saúde lotado de pessoas doentes com falta de ar, para não sofrermos pelo luto por causa da perda de pessoas queridas.
As aulas voltaram, o comércio voltou, as reuniões voltaram. O Carnaval também voltará, mas não precisa ser agora. Para que as aulas continuem, o comércio continue e as reuniões continuem, é preciso que tomemos cuidados – e um deles é deixar o Carnaval de lado mais este ano.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.