23 de dezembro de 2024
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Uma análise dos 15 anos da Lei Maria da Penha

Violência contra a mulher alcançou o debate público, mas sociedade ainda precisa de mais reação e menos cumplicidade.

Por: Dimas Ramalho*

Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Essa obviedade só passou a integrar nosso ordenamento jurídico em 1988, com a promulgação da atual Constituição da República. Desde então, o Estado levou mais 18 anos para reconhecer que as brasileiras são violentadas sistematicamente em níveis que colocam em risco a sua integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. O principal passo para reposicionar nosso sistema de Justiça diante desse cenário foi a aprovação da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006, momento histórico do qual tenho orgulho de ter participado, então como deputado federal.

Apesar de o texto normativo representar um pacto social, aprovado pelo Congresso, a proteção à mulher só aumenta, de fato, na medida em que os julgadores, promotores de Justiça, defensores públicos, delegados e advogados passam a articular os conceitos e dispositivos previstos para tanto. Esse pressuposto, talvez, seja o maior acerto da Lei nº 11.340/2006, que vai muito além de prever sanções mais graves aos agressores, e se preocupa em propor políticas públicas, facilitar o acesso ao Judiciário, aprimorar os operadores do direito, e educar a população sobre o tema.

Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em agosto de 2021 indica que um quarto das mulheres acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência desde o início da pandemia. O mesmo levantamento apontou ainda que 4,3 milhões de brasileiras foram agredidas com tapas, socos ou chutes, o que representa uma média de 8 mulheres espancadas por minuto no país.

Para além de estatísticas –que são pouco precisas quando considerada a subnotificação–, um balanço honesto dos 15 anos de vigência da norma precisa olhar para avanços estruturais e para desafios que surgiram no período.

Percebo como motivo de comemoração a divulgação, por parte da imprensa e de campanhas institucionais, da existência de um aparato de atenção e acolhimento às mulheres agredidas. É importante deixar claro que vítimas de violência doméstica e familiar têm direito a atendimento especializado da autoridade policial e que os magistrados podem determinar medidas protetivas de urgência com o objetivo de garantir a segurança dessas mulheres após a comunicação da ocorrência de qualquer tipo de violência prevista na lei. A confiança no Estado, que tem amparo legal para intervir na relação conjugal, é imprescindível para alguém que teme vingança, se preocupa com os filhos e/ou tem vergonha de expor a intimidade.

Com base nos Arts. 22 e 23 da Lei Maria da Penha, a juíza ou juiz pode impor, de diferentes formas, que o agressor se mantenha afastado da vítima, e pode agir para que essa vítima tenha seus direitos preservados. Em casos extremos, de risco de morte, há, inclusive, abrigos que garantem o básico para que essas mulheres recomecem sua trajetória.

Somente em 2020, as autoridades de segurança pública do país registraram 1.350 vítimas de feminicídio, categoria jurídica criada por lei em 2015 para especificar o assassinato de uma mulher motivado pelo menosprezo ou discriminação de sua condição de gênero. A pena imposta ao criminoso é maior do que a sanção prevista para o homicídio, e aumenta ainda mais se a vítima estiver grávida ou se o crime tiver ocorrido em frente aos filhos ou pais.

Entre os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, vale citar o fim de situações esdrúxulas em que o agressor era condenado, no Juizado Especial Criminal, a penas de prestação pecuniária que muitas vezes acabavam sendo pagas pela própria vítima. Também ficou bem mais difícil se livrar de um processo penal exercendo pressão sobre a mulher para que se retrate da comunicação feita à polícia. Conforme o art. 16 da norma, a renúncia à representação só pode ocorrer perante um magistrado.

Contudo, a popularização desses caminhos oferecidos pela legislação não garante o acesso ao sistema de Justiça, em razão de uma peculiaridade da violência doméstica. O agressor muitas vezes mora com a vítima, possui uma relação de intimidade com ela, e tenta controlar seus atos por todos os meios possíveis, inclusive pelo domínio financeiro.

É difícil dizer o quanto a violência contra as brasileiras aumentou ou diminuiu nos últimos quinze anos. Mas é certo que o problema rompeu os limites do lar e passou a ser reconhecido no âmbito público. Agressões de diferentes tipos também deixaram de ser banalizadas e hoje suscitam debates importantes para a educação dos homens e empoderamento das mulheres. Sabemos que não é o suficiente. A nós, que convivemos nesse contexto, cabe mais reação e menos cumplicidade.

*Dimas Ramalho – Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.