23 de dezembro de 2024
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Artigo: O novo perfil do investigador de fraudes corporativas

* Por Emerson Melo e Raphael Soré

A promulgação da lei 12.846/13, de anticorrupção brasileira, e as diversas operações deflagradas no país e no exterior pelas autoridades competentes trouxeram à luz diversos escândalos de corrupção, desvios de conduta e atos ilícitos que abalaram severamente a imagem e reputação das organizações e pessoas envolvidas. Além de ter causado impactos financeiros relevantes, em alguns casos, irreversíveis para a sociedade, e empresas.

As marcas da última legislação e, sobretudo, da nova expectativa da sociedade com relação à aplicação do compliance pelo setor privado, têm gerado transformações significativas no ambiente de negócios, principalmente, na forma como as organizações estabelecem relacionamento com fornecedores, parceiros, clientes e, até, com os dirigentes.

As organizações foram induzidas a aperfeiçoar os modelos de governança corporativa, adotando padrões ainda mais robustos para que os negócios continuem a atingir os mais altos padrões de integridade e conformidade. Nesse sentido, a implementação do compliance passou a ser um fórum de discussão e de investimento no Brasil. Em 2016, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publicou o Código Brasileiro de Governança Corporativa cujas diretrizes foram incorporadas, em 2017, à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tornando-se um marco na história do mercado de capitais do Brasil. A norma passou a exigir que todas as companhias registradas na categoria A pela CVM entreguem anualmente o Informe de Governança. Esta informação deve ser apresentada ao mercado para ter ciência se elas seguem ou não, as práticas recomendadas pelo código. Tal fato proporcionou aos administradores e investidores o acompanhamento anualmente sobre as práticas de governança corporativa das companhias e a correlação destas com os mecanismos de compliance.

Dentro desse cenário de mudanças, de evolução no sistema de governança corporativa e compliance das companhias, os profissionais responsáveis por conduzir apurações internas passaram a ter uma relevância aguda dentro das organizações. Isso se dá por dois motivos: o fato de que dar respostas às informações sobre violação passou a ser um imperativo, e cada vez mais as empresas passaram a adotar os chamados canais de denúncia (hotline), importante mecanismo de controle, senão o principal, dentro do procedimento.

No ano passado, na 11ª edição da maior pesquisa global sobre fraudes ocupacionais (Reportto The Nations) realizada pela Associação dos Investigadores de Fraude Certificados (ACFE), foi possível verificar que a existência do canal de denúncia, juntamente com procedimentos de investigações tempestivos e assertivos, contribuiu para que as fraudes fossem mais rapidamente identificadas e as perdas reduzidas aproximadamente pela metade, em detrimento às companhias que não possuem esse dispositivo. O estudo também indicou que 64% das 2.504 companhias pesquisadas possuem canais de denúncias, resultando no crescimento de 13% desse importante mecanismo em comparação ao resultado da mesma pesquisa em 2010.

Considerando as transformações impulsionadas pelos constantes debates em torno da efetividade do programa de compliance e a importância dos profissionais com a função de atuar nos pilares de prevenção, detecção e resposta aos diversos riscos que as companhias enfrentam no dia a dia, o especialista em investigações internas se tornou central para o sucesso das companhias. Apesar de muito se falar sobre a importância do trabalho, pouco se discute sobre o perfil do profissional ou quais as mais importantes habilidades e competências ele deve ter. Investigação é um tema naturalmente multidisciplinar, de modo que a área de formação de um profissional não condicionará a capacidade de ele ser um bom investigador. Não obstante, há áreas que, invariavelmente, apresentam uma base teórica mais completa para que ele se dedique ao tema como administração, contabilidade, direito e economia. A essas, cada vez mais se enxerga a necessidade de profissionais com formações multidisciplinares como engenharia, jornalismo, psicologia e, sobretudo, tecnologia e análise de dados.

Vale destacar que pessoas com outras formações podem ter sucesso como investigadores, mas provavelmente terão de fazer um esforço maior para desenvolver os conhecimentos necessários na conduzir processos investigativos. Não à toa, temos observado o avanço de especializações e certificados nacionais e internacionais, como por exemplo, o conferido pela Societyof Corporate Compliance&Ethics (SCCE) e pela ACFE. Outro ponto importante está relacionado aos idiomas. A fluência em inglês e espanhol não é mais um diferencial e sim pré-requisito dentro de um contexto cada vez mais globalizado dos negócios já que os investigadores são expostos a casos com evidências em distintas línguas.

Pessoas capacitadas com experiência em análise de dados, auditoria, riscos e controles internos, leis anticorrupção e antitruste, jornalismo investigativo, perícia contábil, disputas judiciais e compliance possuem certas vantagens. Esses conhecimentos proporcionam ao candidato uma curva de aprendizado e facilidade acentuada no momento de realizar a investigação. Ter experiência no segmento de atuação da empresa também é preponderante no momento da apuração. Além disso, o entendimento sobre o que são e como ocorrem os tipos de crimes e fraudes contribui para que o investigador seja ainda mais assertivo e célere.

Com o crescimento consistente da tecnologia e da comunicação, as possibilidades de atividades fraudulentas conduzidas por meios eletrônicos aumentaram. Sendo assim, é também crescente a necessidade de que o investigador de fraudes tenha conhecimento de tecnologia e faça uso de ferramentas forenses que – além de serem instrumentos essenciais na identificação das fraudes – também potencializam a assertividade e celeridade no trabalho conduzido. Com relação às habilidades, uma investigação pode incluir diferentes tipos de procedimentos como entrevistas, entendimento e análise de processos, coleta e análise de evidências documentais físicas e digitais, análise de dados, pesquisas em fontes públicas e privadas, realização de testes contábeis e financeiros, etc.

Em grandes investigações conduzidas por empresas especializadas, tais atividades serão divididas entre profissionais de uma equipe multidisciplinar, cada um com formação e especialidade focada na atividade que irá desempenhar. Contudo, em casos internos, tendo em vista o tamanho da investigação ou a estrutura da prática no ambiente da empresa, não é incomum que o mesmo especialista seja responsável por realizar alguns ou todos os procedimentos de investigação. É por isso que os que apresentam alta capacidade de adaptação e bom conhecimento multidisciplinar são os ideais para um time de investigação mais enxuto ou mesmo para coordenar os trabalhos de um time de especialistas multidisciplinares.

Como apontado, investigações internas são projetos extremamente técnicos que demandam atenção profissional especializada. Além disso, se os atributos acima podem servir de guia, não exaustivos, sobre o que se deve buscar em um investigador, podem ser considerados também um alerta de que, talvez, o atributo mais importante de um investigador não esteja na formação acadêmica ou nos cursos realizados. Em uma área de projetos tão distintos, a experiência adquirida em casos passados é um ativo considerável, assim como são as características pessoais do profissional que resolve se dedicar à área. Sem a curiosidade perene e uma constante habilidade de trabalhar com profissionais e conhecimentos diversos, o especialista não conseguirá atuar com sucesso em uma área tão multidisciplinar.

Logo, em um campo de projetos tão sensíveis e de tanto impacto na vida das partes envolvidas, mesmo o mais técnico dos profissionais poderá ser malsucedido no trabalho, sem senso de responsabilidade, sigilo e confidencialidade, integridade, inteligência emocional e empatia. É por isso que, talvez a mais importante característica para um bom investigador, seja a humildade para entender como falível ele pode ser e se colocar sob o mesmo escrutínio em que considera casos e evidências para perceber exatamente as próprias limitações.

* Emerson Melo e Raphael Soré são sócios da KPMG.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.