Erga Omnes – A CNH do devedor pode ser apreendida?
Por: Gustavo Schneider Nunes
Costuma-se dizer que vivemos uma “crise do processo civil”, em especial, uma “crise da execução de pagar quantia”, pois, não raras vezes, a obrigação prevista no título executivo não é cumprida pelo devedor. Por conta disso, nas últimas décadas, o legislador tem se preocupado em criar técnicas processuais executivas que proporcionem a efetividade das respostas a serem dadas pelo juiz à parte que tem direito de proteção ao seu direito.
Embora se reconheça o esforço elogiável para atingir esse fim, comumente, a execução se torna frustrada, no todo ou em parte, seja pela amplitude do rol de bens impenhoráveis, seja pela ausência de patrimônio mínimo, ou, ainda, em razão de manobras adotadas pelo devedor como a colocação de bens em nome de terceiros (laranjas).
É preciso distinguir os casos em que o devedor não paga a dívida porque não tem patrimônio mínimo suficiente, daqueles outros em que o devedor não paga porque não quer, mesmo tendo condições de fazê-lo.
Para essas situações de resistência injustificada, não sendo exitosas as medidas executórias típicas, como penhora (e suas formas avançadas, como a penhora online, RENAJUD, ARISP etc.), arrematação e adjudicação, o art. 139, IV, do CPC, permite que o juiz venha a empregar medidas indutivas, mandamentais ou coercitivas por ele entendidas como necessárias para assegurar o cumprimento de sua decisão.
Como decorrência prática da adoção dessas medidas executivas atípicas pelo juiz, devedores passaram a sofrer restrições antes não sentidas, a saber: apreensão de CNH, passaporte ou cartão de crédito; proibição temporária de contratação com o poder público; restrição de acesso a áreas comuns do condomínio (como piscina, área de lazer e quadra esportiva) até a quitação do débito etc.
Se por um lado essas medidas pressionam o devedor a cumprir a obrigação por conta das restrições proporcionadas, por outro, elas não devem ser aplicadas sem que antes sejam detidamente observadas as características do caso concreto, porque elas não podem restringir o direito do devedor sem oferecer vantagem ao credo como contrapartida.
A apreensão do passaporte de uma pessoa que esteja cursando doutorado no exterior, com bolsa financiada pelo governo, ou a apreensão da CNH de um motorista de táxi ou de uber, mais do que desproporcionais, são de todo indesejáveis, pois se afastam da finalidade almejada pela lei ao representarem um excesso que deve ser proibido.
O STJ tem adotado esse fundamento, ao decidir que tais medidas atípicas somente podem ser adotadas quando houver indícios de que o devedor possua patrimônio penhorável e as medidas típicas (penhora, arrematação e adjudicação, p. ex.) forem previamente utilizadas e mostrarem-se infrutíferas. O insucesso destas, portanto, é condição necessária para a utilização daquelas.
O art. 139, IV, do CPC, teve a sua constitucionalidade questionada por meio da ADI 5941, pendente de julgado no Supremo Tribunal Federal. Porém, para nós, observados os indispensáveis critérios utilizados pelo STJ, o dispositivo legal deve ser considerado constitucional, por permitir a busca da satisfação do direito do credo com a menor gravidade possível à esfera patrimonial do devedor, proporcionando, assim, a obtenção da execução equilibrada.
* Gustavo Schneider Nunes é advogado, professor e doutorando em direito pela UNAERP.
**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!