Erga Omnes – Mudanças Supremas
Por: Gustavo Schneider Nunes*
Na segunda-feira, dia 12 de julho de 2021, o Marco Aurélio encerrou uma carreira de 31 anos como Ministro do Supremo Tribunal Federal, por ter completado 75 anos, o que foi motivo de sua aposentadoria compulsória.
Antes de ser Ministro, foi Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro) e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A sua trajetória inicial foi marcada por um ar de desconfiança, em razão do grau de parentesco com seu primo Collor, que o nomeou para o cargo em 1990, mas, com o passar dos anos, conquistou respeito e admiração de muitos.
De personalidade forte, que primava a pontualidade no início das sessões, decidia sempre de forma independente e baseado em argumentos de princípio, ainda que as consequências decorrentes da decisão fossem impopulares, e, a liberdade – em suas mais variadas formas (de locomoção, de exteriorização do pensamento, religiosa, de reunião, de associação etc.) – era o princípio pelo qual expressava maior apreço.
São exemplos disso os seus votos na ADPF 54, que permitiu a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, no HC 92.566, que proibiu a prisão do depositário infiel, e no HC 82.959, que reconheceu aos condenados por crimes hediondos o direito à progressão do regime prisional.
Uma situação específica, em meu sentir, expressa bem o apego do Ministro Marco Aurélio à defesa da liberdade, no caso, a liberdade de reunião advinda da liberdade de expressão.
Na ADI-MC 1969, da qual foi relator, declarou-se a inconstitucionalidade do Decreto nº 20.098/1999, que proibia a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros nas manifestações públicas a serem realizadas na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios e na Praça do Buriti, em Brasília, sustentando que a liberdade de manifestação “não está limitada àquelas que se mostram silenciosas”, dando assim a entender que, em uma democracia, a manifestação tem a característica de gerar incômodo, mesmo que o barulho seja “na orelha” dos Ministros.
Em muitas situações, o Ministro Marco Aurélio foi o único “voto vencido” dentre todos os votos proferidos pelos seus pares, mas isso não o abalava e nem lhe deveria pesar negativamente, pois, como destacado certa vez pelo Ministro Celso de Melo, “a história tem registrado que, nos votos vencidos, reside, muitas vezes, a semente das grandes transformações”.
Certamente, o Ministro Marco Aurélio era falível como qualquer ser humano, sendo que, para mim, um dos pontos que ele deixava a desejar era a baixa aderência aos precedentes do colegiado do STF, de modo que, a partir disso, mas não só por isso, poder-se-ia dizer, como costumeiramente se diz, que o STF é composto por “onze ilhas supremas”, causando, no ponto, insegurança jurídica, por permitir que situações semelhantes sejam decididas de maneira distinta.
De qualquer modo, o contraponto apresentado pelo Ministro Marco Aurélio sempre contribuiu para o equilíbrio na distribuição de posições dentro do STF e sua aposentadoria não será suficiente para apagar o seu nome como um dos Ministros mais autênticos de sua história.
Ocupará o seu lugar, ao que parece, André Mendonça, de 48 anos, que já comandou o Ministério da Justiça e Segurança Pública e é o atual Advogado-Geral da União.
Ele é pastor presbiteriano, possui forte ligação com Bolsonaro e tem perfil oposto ao de Marco Aurélio.
Para ser efetivado como Ministro do STF precisará ser aprovado em uma sabatina no Senado Federal.
A conferir.
* Gustavo Schneider Nunes é advogado, professor e doutorando em direito pela UNAERP.
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