23 de dezembro de 2024
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Artigo: Como podem?

Por: Rodrigo Segantini*

Meu filho Arthur quase morreu ao nascer. Prematuro de 30 semanas, sobrevivente de uma gestação gemelar, da qual o irmão não vingou no terceiro mês, Arthur nasceu e foi direto para a UTI, onde passou seus quatro primeiros meses com sua vida em risco. Eu e minha esposa Adriana praticamente nos mudamos para o hospital nesta época e vivíamos em oração.

A partir de seus seis meses, Arthur ficou bem, apesar de tudo o que passou, e a vida seguiu. Mas, quando nosso filho tinha três anos e meio, minha esposa sofreu um acidente automobilístico que a deixou em coma.  Com a ajuda de amigos e familiares, dividi-me entre ficar com ela no hospital e cuidar do nosso filho. Um ano e meio depois, minha esposa faleceu. Muitas pessoas duvidaram que eu fosse capaz de seguir sozinho com Arthur. Ouvi conselhos e críticas  fundadas na ideia que um homem sem esposa não seria capaz de criar um filho, além de lamentos piedosos de quem considerava a paternidade solo um infortúnio. Não dei ouvidos a nada além do meu coração e segui em frente, de mãos dadas com Arthur.

Lutei muito, empenhei-me muito, enfrentei muitos desafios, mas jamais desisti do meu filho. Nem durante sua gestação,nem quando esteve quase entregue na UTI, nem quando minha esposa faleceu. Meu Amor por Arthur me sustentou e é o que me dá forças para seguir em frente.

Não acho que devemos julgar alguém, nem fazer acepção de pessoas. Mas, acompanhando o noticiário sobre o que houve com Henry Borel, penso no que passei para estar ao lado do meu filho Arthur e se torna incompreensível para mim como alguém pode fazer mal para uma criança da qual deveria zelar.

Claro que violência é crime, sobretudo quando resulta em morte. Mais horripilante ainda é se isso se dá em uma relação em que deveria haver afeto. Nada obstante, penso em minha própria condição em situações que vivi e nas quais meu filho, sobre quem está todo meu Amor, quase foi arrancado de mim. Pela minha experiência, não consigo imaginar qualquer hipótese para um crime de morte contra meu filho, seja minimamente possível sem que eu, em vez de dar minha vida em seu lugar, seja cúmplice de tamanho horror.

Não é a primeira vez que me assombro por isso. Isabela Nardoni, Bernardo Boldrini,  Joaquim Ponte Marques,  Rhuan Maycon Castro e Rafael Winques são crianças que tiveram suas vidas arrancadas sem piedade com a noticiada ação ou omissão de pelo menos um de seus pais, segundo indícios e provas levadas à Justiça. Sinceramente, ao tomar conhecimento de tamanho desamor como o que se abateu sobre Henry Borel, tudo fica tão pequeno e desimportante que causa enorme revolta com tudo o que há de errado à nossa volta.

No meu caso, esse desassossego só se  arrefece tomando Arthur em meu colo, mesmo que quase já não caiba. Ainda assim, enquanto acaricio seus cabelos ruivos e vibro com o brilho de seu olhar radiante, uma frase agulha meu coração latejando: “Como podem?”.

*Rodrigo Segantini é pai do Arthur