A nova equação de valor no agronegócio
Por: Giovana Araújo*
A desconexão entre a criação de valor corporativo e socioambiental está desaparecendo no mundo dos negócios, em um contexto marcado por mudanças na percepção e na influência dos consumidores, assim como, por crescentes riscos regulatórios. Vem sendo difundida a visão de que o valor de uma empresa transcende os aspectos econômicos, sendo também percebido e atribuído às externalidades sociais e ambientais geradas. Esses fatores são parte integrante da história de criação de valor de uma empresa, constituindo-se em importantes componentes dessa nova equação.
Essa visão que se consolida terá implicações sobre empresas diversas, assim como, sobre a gestão de ativos e decisões de investimento. Empresas de áreas com histórico de forte criação de valor econômico adicionado, medido pela geração de retorno acima do custo de capital, poderão, por exemplo, ser negativamente afetadas pela percepção das partes interessadas sobre impactos sociais e ambientais negativos das atividades, ao passo que empresas com histórico de baixo valor econômico poderão ser reavaliadas à luz dos impactos sociais e ambientais. Nessa nova equação, ativos e investimentos antes vistos como pouco estratégicos poderão ser reposicionados e repensados dentro de um portfólio. Produtos inovadores, até então avaliados sob a ótica apenas econômica, poderão ser reavaliados em termos dos impactos sociais e ambientais que produzem e das externalidades positivas ou negativas que geram para a sociedade.
Quando extrapolamos essa visão para um setor como o agronegócio, é evidente a relevância do valor gerado nessas amplas vertentes, assim como, as oportunidades e desafios que se colocam à frente. Do ponto de vista econômico, os resultados são robustos. De acordo com o critério metodológico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o PIB do agronegócio medido pela ótica do produto (preços de mercado, incluindo impostos indiretos, menos subsídios relacionados) gerou R$ 1,61 trilhões em 2019, equivalente a 20,9% do PIB Brasil, considerando os quatro segmentos: insumos, agropecuária, agroindústria (de base agrícola ou pecuária) e agrosserviços (transporte, comércio e demais serviços). Já entre janeiro e junho do ano passado, o PIB da indústria acumulava crescimento de 5,3%, de acordo com levantamento calculado também pelo Cepea, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o que sinaliza um aumento da participação do setor no PIB nacional. Nos últimos 15 anos, o PIB do setor apresentou um crescimento médio real de 4,3%, descontado, portanto, o efeito da inflação.
Do ponto de vista social, o destaque em termos de externalidades positivas fica para o impacto do uso de biocombustíveis líquidos na qualidade do ar. A poluição do ar é uma das vilãs da saúde pública nos centros urbanos e o etanol hidratado praticamente zera a emissão de material particulado emitido pela gasolina e diesel. Na Região Metropolitana de São Paulo – onde a participação do etanol hidratado no consumo dos combustíveis do ciclo Otto é uma das maiores do país – a média de material particulado fino no ar foi de 17 µg/m³ (microgramas por metro cúbico), em 2019, segundo dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, patamar que se enquadra dentro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde que é de 20 µg/m³ (microgramas por metro cúbico) de partículas finas no ar.
Do ponto de vista ambiental, é notória a economia no uso da terra gerada pelos ganhos de produtividade na agricultura e pecuária no Brasil, principalmente, ao longo dos últimos 15 anos. Considerando-se apenas a ótica da produção de grãos, os ganhos de produtividade no país, nesse mesmo período, eliminaram a necessidade de plantio adicional de uma área de 35 milhões de hectares.
Merece destaque também o programa de biocombustíveis líquidos no Brasil, etanol e biodiesel que tem um papel fundamental na redução de emissão de gases de efeito estufa emitidos pelos combustíveis fósseis utilizados na matriz de transportes do país. De acordo com estimativas da União da Indústria de Cana de Açúcar (ÚNICA), desde o lançamento do carro flex (que utiliza gasolina e etanol como combustível), entre março de 2003 até maio do ano passado, o consumo de etanol no país evitou a emissão de, pelo menos, 515 milhões de toneladas de gás carbônico. Essa redução de toneladas de CO2 emitidas é equivalente a quase quatro bilhões de árvores plantadas. Ainda na esfera ambiental, impressionam também as estatísticas de logística reversa que impactam diretamente a emissão de gases do efeito estufa. De acordo ainda com levantamento conduzido pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (INPEV), cerca de 94% desses componentes plásticos colocados no mercado brasileiro, em 2019, foram reciclados, o que torna o país campeão mundial de logística reversa de embalagens de defensivos agrícolas.
Evidentemente, há muito valor a ser gerado na esfera econômica e muito o que avançar nas questões sociais e ambientais no agronegócio no Brasil. Na esfera ambiental, para atingir os compromissos internacionais assumidos em relação ao clima, o Brasil estabeleceu metas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) de redução de emissões de carbono em 37%, até 2025, e de 43%, até 2030, comparativamente aos níveis de 2005. O setor agrícola terá um papel fundamental para viabilizar o cumprimento dessas metas.
Dentro desse contexto, tem papel de destaque o Renovabio – considerado como um dos maiores e mais bem construídos programas de descarbonização da matriz de transportes do mundo – que será fundamental para o aumento da participação da bioenergia na matriz energética brasileira. Também serão relevantes neste contexto frentes como a restauração de hectares de florestas, fortalecimento do cumprimento do Código Florestal e desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira.
Entender essa nova equação de valor pautada não só por aspectos econômicos, mas também por aspectos sociais e ambientais, será crucial, não apenas para a avaliação da resiliência de um negócio ou de um setor, como para a maximização das oportunidades de criação de valor existente. As empresas que identificarem e quantificarem os impactos das externalidades sociais e ambientais dos negócios estarão melhores posicionadas para desenvolver estratégias de respostas que não apenas protejam, mas que também gerem valor para os acionistas e para a sociedade.
* Giovana Araújo é sócia do setor de agronegócios da KPMG.