22 de novembro de 2024
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Artigo: Normal

Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna

Há uma voz difusora, espalhada pelos veículos de comunicação e que se tornou mantra dentre muitos seres humanos, que é: “novo normal”. Sei que a ideia possui a intenção benéfica, porém estamos dessa forma colocando para baixo do tapete nossas anteriores atitudes em busca de uma nova roupagem para essas mesmas. Eufemismo. A derradeira questão é a reflexão sobre as nossas atitudes inumanas. Irracionais. O que devemos fazer para extirpar essa chaga?

A decisão a ser tomada e difundida é: devemos ser normais. O que isso significa? Ainda não somos normais. Seres humanos são dotados da capacidade da razão, tem o poder de discernir entre o certo e o errado, utilizando-se das bases éticas. Isso não acontece. Basta pararmos um pouco e refletirmos, passar os olhos nas notícias e verificarmos a nossa anormalidade. Feminicídio, racismo, individualismo, negacionismo, revolta da vacina, homofobia, pedofilia, corrupção etc. Os motivos são inúmeros. Ainda não somos normais. Quem chegou a concluir que éramos normais? Será que essa anormalidade encarcerada no cerne humano está associada à sua cultura? Não. Aqui não estamos tratando de loucura, muito menos de culturas distintas devido seu grau de moralidade, angariados pelos preceitos religiosos etc.; falamos na ausência de humanidade, no deveras altruísmo tão propagado pelas “lives” difundidas neste ano pandêmico. Desta necessidade de nos colocarmos no lugar do outro, sentir o que o outro sente e realmente realizarmos algo em prol do nosso semelhante.

Normal é condição essencial humana. Por que chamarmos de “novo normal” essa expectativa que se deposita em torno do próximo ano? Um passo de cada vez. Primeiro devemos procurar a normalidade. Buscarmos viver diante de uma sociedade tranquila e sadia. Vamos lá! Partiremos pelo extremo: a desigualdade. Estamos tratando do Brasil, cuja riqueza se concentra nas mãos de poucos, ou seja, mais precisamente, 90% desta abastece apenas 10% de nossa população; os demais, 90% da população, sobrevivem com apenas 10% do que sobrou. Matemática simples, todavia, composta das mais cruéis e vis formas de conquista. Posses adquiridas com o suor alheio, com os açoites de outrora, com o preconceito enraizado na superioridade danosa da superioridade entre as etnias. Riqueza composta com a queima de nossas matas, com o extermínio da população indígena, com a contaminação pela corrupção. Grana angariada dos fundos obscuros do mundo do crime, com a matança de inocentes, com o genocídio das minorias, com a atrocidade patrocinada pelos discursos raivosos e doentios; somos seres covardes. Aqueles que se alimentam da ganância, do menosprezo, da violência, da competição injusta e desigual. Somos uma Nação de hipócritas, que nada teria a comemorar quando olhamos aos lados e verificamos a precariedade encontrada para superar as agruras do dia a dia que passam milhões de famílias brasileiras. Como posso dormir o denominado “sono dos justos” se parte de nossa população dorme ao relento, sofrem espancamentos enquanto tentam cochilar? Não posso comer tranquilamente enquanto souber que milhões de brasileiros não possuem o que ingerir no almoço de amanhã.

Somos mesquinhos, egoístas, individualistas. Matamos todos os dias e escondemos o sangue dos mortos debaixo de palavras bonitas, “selfies” narcísicas, ações ineficientes que almejam apenas o “status”. E não há autorreflexão, nem mesmo esta pandemia foi capaz de avivar o “normal”. Somos os causadores dessa destruição, nossas atitudes exaltam a barbárie, traçam o caminho da hecatombe. Isso não pode ser considerado normal. Não é. Nossa atual realidade reflete a desordem, demonstra nosso lado irracional, o pavor do humano, o anormal convive pacificamente dentro de nós. Somos moribundos guiados pela tecnologia que contamina, que nos faz agonizar.

Enquanto não atuarmos como seres normais, dotados do altruísmo desejado, composto através de poesias, eternizados pelos clássicos, consagrado pelas “lives” e propagado por aqueles que anseiam por um mundo, um Brasil melhor, jamais poderemos tratar um novo ano como “novo normal”. Somos bárbaros ainda. Insuficientes. Incompletos. Perversos. De fato, há um longo caminho a percorrermos em busca do normal, pois um “novo normal” só depois da normalidade alcançada.

P.S.: Este texto foi escrito diante da tristeza que sinto pelas milhares de vidas interrompidas neste País devido à pandemia.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!