Consumo aumentado de cigarro durante a pandemia acende alerta para “herança” de câncer de pulmão
Ao menos 34% dos tabagistas indicam que passaram a fumar mais; Além de fator de risco para sintomas graves de Covid-19, hábito é o principal responsável pelo surgimento de tumores pulmonares
Tipo de câncer que mais mata no mundo desde 1985, o tumor de pulmão ocupa o terceiro lugar como o tipo mais comum entre os homens e o quarto entre as mulheres. A incidência global pode chegar a 1.8 milhão de novos casos por ano, com 1.6 milhão de mortes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, mais de 30 mil pessoas devem ser diagnosticadas com a doença em 2020, conforme levantamento do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Essa realidade poderia ser amplamente modificada com mudanças simples de hábitos de vida, já que cerca de 85% desses casos estão ligados a um fator amplamente evitável: o tabagismo.
A preocupação acerca dos índices de câncer de pulmão ganhou contornos ainda mais dramáticos diante da pandemia do novo coronavírus. Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas, 34,3% dos entrevistados que se declararam fumantes passaram a consumir mais cigarros por dia durante o período de isolamento social: 22,8% aumentaram em dez, 6,4% em até cinco e 5,1% em 20 ou mais cigarros. Foram ouvidos 44.062 brasileiros, de ambos os sexos, de todos os níveis de escolaridade e de todas das faixas etárias a partir de 18 anos.
Para Jacques Tabacof, oncologista clínico do Centro Paulista de Oncologia (CPO) – unidade Oncoclínicas em São Paulo -, o aumento do tabagismo está relacionadoà ansiedade gerada pelo momento inédito na história recente da saúde. “O consumo de cigarros é um problema de saúde pública que não pode ser ignorado, é preciso reforçar a mensagem de que precisamos superar essa batalha contra a Covid-19 sem deixar de lado outros cuidados com o nosso corpo. A luta contra o tabagismo não pode ser abandonada, sob o risco de termos não apenas uma onda de aumento na incidência de tumores malignos, entre eles o câncer de pulmão – que tem íntima relação com este hábito nada saudável – mas de outras doenças respiratórias”, explica.
Outro fator que não pode ser desconsiderado é a vigilância contínua de possíveis sintomas, que podem ser facilmente confundidos com os do novo coronavírus, principalmente entre fumantes. “Os sinais iniciais do câncer de pulmão se assemelham muitas vezes aos de outras condições comuns associadas ao trato respiratório, por isso dificilmente é diagnosticado no estágio inicial. Tosse e falta de ar, sintomas amplamente relacionados ao Covid-19, também são o alerta principal para o câncer de pulmão”, destaca o Dr. Jacques.
Neste sentido, vale atentar para algumas diferenças importantes: a tosse seca no Coronavírus vem associada a outros sintomas como a febre, por exemplo, e, além disso, perdura por mais ou menos 15 dias. Já no câncer de pulmão, esse sintoma, quando surge, tende a ser persistente e não apresentar melhoras após este período.
“Os sintomas do câncer de pulmão geralmente são mais frequentes no estágio avançado da doença, o que dificulta o diagnóstico precoce, essencial quando pensamos em chances de cura. Além da tosse e da falta de ar, dor torácica contínua, perda de peso sem motivo, rouquidão que não melhora após mais de sete dias e pneumonias recorrentes figuram entre os pontos de alerta para este tipo de tumor”, comenta o oncologista do CPO/Oncoclínicas.
Os dados são preocupantes e reforçam a relevância da campanha Agosto Branco, voltada à conscientização no combate ao fumo e alerta sobre as mortes evitáveis decorrentes do consumo de cigarros. A iniciativa também visa a reforçar a importância do acompanhamento médico de rotina. Assintomático em fases iniciais, o câncer de pulmão costuma ser diagnosticado tardiamente, o que reduz as chances de cura. O INCA indica que apenas 16% dos tumores malignos são diagnosticados em estágio inicial.
“Fumar potencializa, em muito, o risco de desenvolver o câncer de pulmão, mas, diante do cenário atual, tendo o novo coronavírus no centro das preocupações de toda a população, sinais clássicos do câncer de pulmão correm o risco de ser ignorados e a busca por aconselhamento especializado e exames para assegurar o diagnóstico do tumor adiados para o futuro”, explica o Dr Jacques.
E apesar de muitas pesquisas apontarem para os malefícios causados pelos cigarros tradicionais, as alternativas como os cigarros light, eletrônicos ou narguilés também podem ser prejudiciais à saúde. Neste sentido, o especialista destaca outro grande alerta que precisa ser feito é em relação ao chamado vape, que cresce em consumo principalmente entre os jovens.
“Houve um grande retrocesso. Depois de anos diminuindo o número de fumantes, principalmente entre jovens, que é super importante, já que a maioria dos que continuam fumando começaram nessa época da vida, vemos também um aumento grande de pessoas usando o cigarro eletrônico. O apelo tecnológico é uma das coisas que atraem os mais novos e é preciso conscientizar a população que, mesmo eles, são potencialmente tóxicos e levam à dependência”, frisa o médico.
Fumantes com câncer de pulmão têm pior prognóstico quando infectados pela Covid-19
Um estudo apresentado durante o Encontro da Sociedade Americana de Oncologia Clínicas (ASCO) – principal congresso mundial da especialidade – coletou informações sobre pacientes com câncer na região do tórax (principalmente câncer de pulmão) infectados com a COVID-19. Chamado de TERAVOLT, o levantamento foi feito a partir de dados coletados por meio de uma colaboração global envolvendo 21 países e que contou com endosso de várias sociedades médicas internacionais.
Para os primeiros 200 pacientes no registro, a idade média foi de 68 anos, com a maioria dos pacientes do sexo masculino e fumantes atuais/ex-fumantes. A maioria, 73,5% apresentavam doença em estágio metastático (quando outros órgãos já foram afetados). Pelo menos uma comorbidade foi observada em 83,8% dos pacientes, sendo a hipertensão a mais comum, afetando 47% deles, seguida pela doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em 25,8% dos casos.
A apresentação clínica da COVID-19 mostrou um perfil semelhante aos sintomas do câncer de pulmão, sendo os mais comuns febre, tosse e dispneia, dificultando o diagnóstico do vírus entre este grupo de pacientes. As complicações mais comuns foram pneumonia/pneumonite (79,6%) e síndrome do desconforto respiratório agudo (26,8%). A maioria dos pacientes foi hospitalizada (76%) e um terço deles faleceram.
“Além de ser fator de risco para o câncer e várias outras doenças, o tabagismo é certamente um dos hábitos que contribui para formas mais graves de infecção por coronavírus. Ainda é cedo para afirmarmos categoricamente os impactos da COVID-19 entre pessoas com câncer de pulmão em comparação ao restante da população, mas de fato a análise resultante da união de centros médicos e de pesquisa nos traz uma visão preocupante em relação à infecção por coronavírus e seus desfechos em pacientes oncológicos com tumores de pulmão”, finaliza o Dr. Jacques Tabacof.