Artigo: A próxima poesia
Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna
A campainha soou. Sinal de que alguém chamava. A porta foi aberta e das ruas veio à notícia de que o filho estava no hospital. Pálida ficou sua mãe ao saber desse absurdo. Partimos rumo ao local. Pedi para que a mãe pegasse alguns documentos e nos dirigíssemos. Confesso que meu coração ficou apertado. Era amigo da família. Passei bons momentos ao lado do pai do garoto. Vi-o nascer. Sua mãe teve uma gravidez de risco. Durante nove meses foi monitorada, assistida por uma competente junta médica.
Precisávamos avisar ao pai, meu grande amigo, mas a coragem me faltava e a mãe não tinha condições.
Cheguei a pegar o celular e comecei a teclar alguns números, todavia minha mão começou a tremer feito um portador de Mal de Parkinson. Parei. Respirei e comecei a jornada. Ao meu lado a mãe pedia para que acelerasse, mas nessas avenidas repletas de “pardais” cabe atenção. Corria o que podia, o que a Lei permitia. Dizia a mãe que nessas horas a Lei que fosse à merda. Tentava acalmá-la, mas é nessas horas que notamos a perda de sentido do ser humano. Ficamos descontrolados, burlar todos os obstáculos propostos pelo Legislativo é o prato principal. Controle. Descontrole. Seres em total descompasso. Atenção. Paciência. Esses são ingredientes essenciais para o acompanhante em um momento delicado como este. Sou assim. Nervoso. Fraco. Incapaz de dizer não. Era amigo e amigo pode dizer não? Não sabia o que faria. Dali para frente deixava o destino conduzir-me.
Passei o sinal vermelho, carros buzinaram alertando-me. Acenei que era em função dela, da mãe, mas quem queria saber. O ser humano só foca o seu umbigo. Éramos mais alguns seres sufocados pela essência negativa adquirida com a conturbada vida cotidiana. Não sabíamos o que teria acontecido com o filho. O que pensar em um momento como este? Confesso que passagens negras perambulavam pelo meu cérebro. Coisas ruins estavam para acontecer. Mas não iriam acontecer, pois aquela era uma família feliz, cheia de exemplos positivos para demonstrar aos nossos semelhantes. Seu filho fora criado no seio fraterno, semeado pelos mais instigantes e gratificantes momentos. Amigos? Estes só se tornam maus exemplos quando não educamos nossos filhos com amor, carinho e atenção.
Chegado ao hospital a mãe saltou do carro, correu até a emergência e em uma das macas seu filho agonizava. A fila era enorme, mas já não adiantara. Foi baleado durante um sarau. Faleceu com um tiro no peito e um livro à mão. A próxima poesia seria a sua.
*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.
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