3 de dezembro de 2024
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Artigo: A palavra sábia

Prof. Sergio A. Sant’Anna

De repente ela adentrou pelo portão, não me cumprimentou, muito menos ao seu pai. Achei chato, mas não comentei com meu amigo (seu pai). Percebia em seu rosto o desgaste pelo tratamento dado por sua filha. Foi mal-educada, porém se tratava de um filho.

Desconversei, enviesamos por outro assunto, sua voz embargada, continuamos. Fui lá buscar um livro que há anos almejava relê-lo. Não foi difícil encontrá-lo, guardado por um homem que não lia mais, apagado pela falta de desejo que acometeu sua alma. Sofria com a mulher que usou cocaína durante dez anos e agora se recuperava em uma clínica, que ele não mencionou onde se localizava, também não era o meu ideal perguntar e constrangê-lo. Ele seguiu falando, citando, apresentando detalhes da relação que parecia ter chegado ao seu final. Sua filha era um sinal de que nada parecia ter mudado, pelo contrário, pioraram.

Uma jovem que acabara de completar dezoito anos queria liberdade, ou mesmo que não quisesse fazia o que seu grupo realizava. O modelo é o que basta quando somos jovens, apaixonamo-nos por elementos desconsertantes indignos de serem venerados, mas só o tempo para dizê-lo. Mas a educação da garota seria ministrada por ele, pai, sem a mãe que permanecia em recuperação e essas situações acontecem, principalmente quando a desestrutura impera. Não cabe aqui alimentar a lição de moral, porém família deve permanecer unida, alimentar a chama do amor, buscar galgar horizontes desenhados nos sonhos e, acima de tudo, embalar-se nos acalantos de Deus. Ficava, eu, a imaginar quantos moinhos este pai não teve que obstruir, quantas tempestades o seu parco guarda-chuvas fez-se inferior a tanta fúria. Sua alimentação não era adequada, vivia com vitaminas, louça suja, casa por arrumar, roupas sem passar, copos que se amontoavam e davam a impressão de nada ali era mais cuidado. Banhos não tomava, dizia que seu destino estava traçado, esperaria a morte chegar. Mas eu afirmava que a vida continuava e que essa filha necessitava de apoio, seu alicerce, agora, era apenas o pai, ela poderia estar reclusa em seu mundo, utilizando a agressividade para sua defesa. Já era hora de voltar a guerrear, lutar, voltar a ser aquele jovem que conheci, inteligente, astuto, ávido pelo conhecimento, justo, assaz pelos bons costumes, amante da fé a Deus. Seu rosto parece que melhorava a cada palavra nostálgica que falava, reagia ao som do passado, quanto futuro não viria, aquela semente plantada há duas décadas não poderia chegar ao fim, teria que haver, no mínimo, um combate, travado com amor, esperança, enfim os bons duelos resolvidos com a força da palavra.

Na semana seguinte cheguei a sua morada, o aspecto da casa ganhara outros contornos, não era o brilho esperado quando se tem uma mulher que possa nos ajudar, mas eram sinais de um homem que queria mudar de vida. No canto da sala, no computador sua filha já respondeu ao meu cumprimento, era um bom sinal. Permaneci ali durante pouco tempo já que tinha que rascunhar alguns textos para retornar a este periódico e alguns livros para analisar. Saíra feliz pelo semblante alegre do pai e pelo cumprimento dado pela filha. De fato, ali concluiria que as palavras funcionam, bastam serem empregadas de forma adequada e para isso o homem necessita ser sábio, pois tudo pode naufragar quando elas não são empregues com inteligência. Sua alma necessita de abrigo, basta deixar que a palavra a penetre.

Essa história tem cinco anos, a mulher do meu amigo, professor, saiu da clínica, trabalha, vive normalmente com o esposo e sua filha namora outra menina, que também faz parte da família, cursa Terapia Ocupacional. Ele voltou a lecionar, a dar aquelas aulas com vitalidade, a empregar a Língua Portuguesa no cotidiano e fazer desta arte as palavras futuras de seus discentes.

Só os que lidam com a palavra sabem o peso e o poder que elas possuem.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.