Cinema – “Jojo Rabbit” é uma sátira eficiente e poderosa
Por: Carlos Ricci
O diretor neozelandês, Taika Waititi, ficou conhecido pelo grande público em 2017com seu longa para a Marvel Studios, “Thor: Ragnarok”. Especializado em comédias, Taika sempre traz em seus filmes variações de humor que normalmente conseguem atrair diversos públicos, e com seu novo trabalho não foi diferente. Jojo Rabbit dividiu a crítica americana, mas no final, conseguiu 6 indicações ao Oscar 2020, incluindo Melhor Filme e levando a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado. Em Jojo Rabbit, acompanhamos Jojo (Roman Griffin Davis), um garoto de 10 anos vivendo com sua mãe, Rosie (Scarlett Johansson), em uma pequena vila alemã, enquanto é preparado para fazer parte do exército nazista ao fim da 2ª Guerra Mundial. Nessa jornada, Jojo tem consigo seu amigo imaginário, Adolf Hitler (Taika Waititi). A história é uma adaptação do livro dramático “O Céu que nos Oprime”, de Christine Leunens, que foi apresentado ao diretor por sua mãe.
Taika constrói no filme uma abordagem da guerra diferente do convencional. O humor é satírico, e é feito com diversas camadas, sendo do mais convencional e verborrágico, ao corporal, com até mesmo apoio da trilha musical, que é composta por diversos artistas e músicas conhecidas. É interessante como a direção e a montagem do filme, realizada por Tom Eagles, se comunicam tão bem, e por diversas vezes, ajudam a punch-line a funcionar perfeitamente, mas também falha quando o humor se mostra desnecessário ou intrusivo.
No roteiro, as personagens e situações são apresentados e desenvolvidos com um primor que dificilmente é visto em filmes de comédia. É fácil conseguir ter empatia por diversas personagens, que tem conflitos internos mostrados para o público através de um humor que traz a aproximação de quem assiste a obra. Os diálogos não soam gratuitos ou só para fermentarem a comédia, mas também trazem uma construção de camadas para as tramas e ajuda a construir terreno para uma eminente virada dramática.
A maneira como os nazistas e até mesmo Hitler são representados é cômica, e caçoa do senso de superioridade dos mesmos, gerando momentos hilários. A maneira como tudo é abordado lembra “Infiltrado na Klan” de 2018, e como Spike Lee abordou um tema tão pesado com comicidade. Taika Waititi faz questão de não deixar Jojo Rabbit soar fútil, há um peso real nas escolhas de desenvolvimento de filme, e a carga emocional gerada é poderosa e é sentida. O que pode soar ofensivo para quem carrega dores da guerra, é feito em uma tentativa de dar uma luz de esperança aos mesmos.
Para que tudo funcionasse, o filme precisava de um elenco perfeito, e o que é entregue é próximo disso. Roman Griffin Davis é incrível, seu poder de atuação no papel de Jojo eleva o filme e a relação de seu personagem com a mãe tem uma química real. Como Rosie, mãe de Jojo, Scarlett Johansson é competente e entende o propósito de sua personagem bem o bastante. Outra estrela no filme é Thomasin McKenzie como Elsa, uma garota judia que se esconde dos nazistas, sua atuação é tão poderosa quanto a de Roman e a relação dos dois é emocional e divertida. Taika Waititi, Sam Rockwell, Archie Yates e Alfie Allen tem menos o que apresentar no papel, mas também são fortes quando estão em cena e a presença é marcada. Já Rebel Wilson é fraca e a maioria do humor vindo dela não funciona bem.
Para esse universo funcionar tão bem, Jojo Rabbit conta com uma excepcional direção de arte e figurino. Ra Vincent constrói uma riqueza visual impressionante, com as construções de época com peso. A casa e quarto de Jojo ajudam a mostrar bem sobre o passado e presente das personagens e auxilia na aproximação e entendimento das questões morais e éticas geradas ali. O figurino Mayes C. Rubel brilha com a mesma potência e até mesmo ajuda o humor a funcionar em algumas ocasiões.
A fotografia por sua vez encontra beleza nos cenários e ruas, mas também sabe quando trazer dramaticidade para o filme. O trabalho de Mihai Malaimare Jr. é interessante e traz planos sutis, e que junto a direção de arte e a direção de Taika, traz brilho à obra e a trama. Tudo isso com uma trilha sonora divertida, trazendo contraste com o que é apresentado e sendo utilizada para reforçar o humor do filme.
Apesar de não ter um humor totalmente funcional, Jojo Rabbit é divertido e encantador. Com uma ótima construção de época e personagens emocionalmente envolventes, o filme é rico em detalhes e camadas. O trabalho apresentado aqui por Taika Waititi é detalhista e preciso, sabendo utilizar a comédia no contexto, mas preparando o público para a rasteira que leva à realidade. Uma sátira realmente poderosa.
*Carlos Ricci é crítico em Cinema e estudante de Cinema