Artigo: O escritor e os mesmos dias
Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna
Um escritor vive de suas andanças, de suas passagens pelas paisagens, pelos mais distantes rincões. O ato de observar, prestar atenção em cada detalhe é uma característica essencial para o desenvolvimento de um escritor. Aquele que não se atenta ao seu entorno traz em sua prosa a tristeza de um texto mal construído. Neste momento em que sair às ruas tornou-se um risco, os livros são um alento em meio ao caos vivido durante a pandemia. Eles mexem com a imaginação, aguçam a criatividade, rebuliçam aos pensamentos, submetendo-os à agitação necessária para composição dos mais brilhantes e inesquecíveis textos.
Domingo, segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado…feira-sexta, feira-quinta, feira-quarta, feira-terça, feira-segunda, domingo…domingo, domingo, domingo, domingo, domingo, domingo, domingo…sábado, sábado, sábado, sábado, sábado, sábado, sábado…feriado, feriado, feriado, feriado, feriado, feriado, feriado… Você tem a impressão que os dias são os mesmos? Uma junção de sábado, domingo e feriados. Será que é isso que acontece com um escriba? Certamente. Imagine para João Ubaldo Ribeiro ficar trancado nessa quarentena? Não poder sair pelo seu Leblon querido… e o Vinícius sem o contato com os amigos e as belas parcerias… o Ignácio de Loyola sem poder olhar a Selva de Pedras Paulista? Com certeza sairiam belas e inesquecíveis crônicas, porém a subjetividade contida naquelas composições, talvez se esvaziariam, seriam limitadas. Uma suposição. Mas, um escritor-leitor voraz não se abalaria com a falta de assunto ao não se contactar com a natureza, com a paisagem urbana; escreveria, mesmo que a duras-penas. O livro é um incentivador; a leitura compulsiva, um combustível.
Com a chegada da pandemia e esses três meses sob quarentena, podemos confessar que estamos exaustos. Somos vitoriosos, pois estamos resistindo bravamente. Por nós, pelos nossos semelhantes. Um ato digno de humanidade, um gesto altruísta. Parece-me que nem todos tem se comportado desta forma. E não culpo aqueles que necessitam trabalhar, todavia àqueles que não precisam sair de casa e saem sem necessidade. Expõem a eles e aos demais. Isso pode parecer estranho para você que cumpre legalmente ao protocolo estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e determinações estaduais; agora, para aquele que nada teme, que é estimulado pelo mandatário da Nação, que nega a existência da Covid-19, os dias são distintos e muito bem aproveitados. O capital possui mais valor do que as vidas humanas perdidas em meio a esta pandemia. Os homens acotovelam-se, aglomeram-se embasados no negacionismo, na dúvida exaltada pelo domador a bons golpes de chicote orquestrando uma legião.
Sei que não é fácil, entretanto será mais difícil quando estiveres consumido pelo coronavírus. Pois é isso que acontece. O meu amigo Natércio faleceu, nem pude me despedir. Foi mais uma vítima da Covid-19, escreveu seu último texto aqui no jornal local dezesseis dias antes de falecer. Falava sobre a pandemia, a distância da família, parece que ensaiara sua despedida. Imaginem a dor dos familiares, das suas filhas menores, dos seus netos, da sua esposa, de sua mãe de 93 anos…talvez você não consiga imaginar, pois estas, essa situação, está distante de ti… No entanto, pense no próximo. Seja altruísta. Se cada indivíduo fizer sua parte, respeitar o protocolo de exigências quanto a higienização e isolamento social, mais cedo nos livraremos desse mal. Espero poder voltar a caminhar e poder contemplar a beleza citadina que a vida me proporciona; enquanto isso não acontece, fiquemos em casa.
*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.