23 de dezembro de 2024
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Palco autoritário: cortinas fechadas

Prof. Sergio A. Sant’Anna

Desde que os primeiros resultados de mortos pela covid-19 começaram a aparecer no Brasil não houve manifestações oficiais por parte do Executivo Federal, apenas deboches e ironias diante de uma tragédia que se espalha e dizima famílias. Hoje quando escrevo, domingo à noite, são mais de onze mil mortos pelo novo coronavírus e mais de 162 mil covitados. Mortes absurdas para milhões de brasileiros, todavia apenas números para certos setores do Governo Federal. Digo “certos”, pois em uma postagem em suas redes sociais, o atual ministro da Saúde, Nelson Teich, minimizou as palavras sibiladas pelo veneno do preconceito contido nos discursos do presidente da República ao dizer que se compadecia das mães que tiveram os seus filhos mortos pela covid-19 e aqueles filhos que perderam suas mães, pois hoje era para ser um dia especial. É o mínimo que um chefe de Estado deveria fazer em meio ao caos que vivemos.

E a Cultura? Confesso que não possuía nenhuma expectativa em relação à condução da atriz Regina Duarte ao cargo de Secretária da Cultura. Explico. A mulher que deu vida há inúmeras personagens que admirei ao longo desses meus mais de quarenta anos, não possuía nenhuma experiência e sua visão retrógrada em relação à gestão cultural do País se avizinhava com a política nefasta e descultural do atual Governo Federal diante do meio artístico e cultural do Brasil. A intenção de tratar a Cultura como algo secundário é secular pelas terras de Gregório de Matos, Padre Antônio Vieira, estes dois luso-brasileiros, e Gianfrancesco Guarnieri. Entretanto, a diminuição atribuída à Pasta da Cultura pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, representa o desprezo que possuem por esse setor. Tão mais que qualquer outro presidente da República pós-Constituição de 1988. Regina Duarte, que ao longo de décadas encantou ao Brasil com seu talento artístico, agora demonstra quem é de verdade. Talvez não seja a Regina que gostaríamos de ver, porém possuía as qualidades pretendidas pelo presidente Bolsonaro para que ocupasse ao cargo.

Quando Regina deu sinais que desistiria da pasta na semana passada, confesso que pensei haver sanidade diante daquela atriz, mas foi em vão. Tão logo almoçou com o representante da Nação, estava satisfeita com as condecorações e elogios proferidos por Messias. Regina permaneceu e deu show. Tratou de se desentender com jornalistas ao vivo, uma característica desse (des)governo, e pacificou às inúmeras mortes e torturas cometidas pela Ditadura Militar brasileira ao longo de 21 anos. O espetáculo começara, pois até pouco tempo a atriz encontrava-se atrás das cortinas, sendo questionada pelo chefe do Executivo; ao voltar ao protagonismo da Pasta, a Secretária da Cultura, cantou, declamou e até entoou palavras de autoajuda. Regina foi Regina; não foi Porcina, não foi Maria do Carmo, não foi Helena. Esta é a responsável pela gestão da Cultura no País. Aquela que você conheceu como a “namoradinha do Brasil”. Com quem Bolsonaro “flertou”, “noivou” e “casou”. E como ele gosta de bradar: “Todo casamento tem crise”. Não conhecíamos a Regina, apenas os seus antigos e inesquecíveis papéis. Papel que Regina não pode assumir, porque a falta de humildade e humanidade emergiram com a personagem principal tratada como Secretária da Cultura do Brasil.

Com as mortes de inúmeros brasileiros ocorrendo pela covid-19 e vários artistas nacionais também morrendo vitimados por esse vírus, a atual Secretária da Cultura não teve a coragem de emitir nota aos familiares de seus companheiros de cena, muito menos daqueles que fizeram parte do cenário cultural e história desse País. Faleceu Aldir Blanc, importante homem das letras, das músicas icônicas e do prestígio que galgou nas interpretações de Elis Regina, que só se redimiu diante da Nação ao gravar “O bêbado e a equilibrista”. O falecimento de Flávio Migliaccio, mais uma vítima da covid-19, companheiro dos mesmos palcos pisados por Regina Duarte, não foi capaz de fazê-la mover a caneta Bic, símbolo do atual Governo, para escrever uma mensagem de amparo aos familiares do ator vítima do suicídio. Segundo alguns programas vespertinos da televisão brasileira, informados por telefones sem fio, a atual secretária da Cultura enviou uma mensagem particular aos familiares de Flávio, contrariando ao desejo do chefe. Para Moraes Moreira um não, afinal suas canções nada representariam a um capitão aposentado na flor da idade, acusado de atentado terrorista na Instituição que ele tanto zela e tenta se blindar; muito menos de Regina, que ao ocupar ao cargo maior da Cultura brasileira, apequena-se, esquece-se que Moraes foi trilha sonora da telenovela que deu o prestígio à viúva Porcina, além disso, o compositor baiano é dono de uma trajetória incomparável diante da história musical brasileira; além destes artistas falecidos sem uma nota do Ministério do Turismo, que gerencia a Secretaria da Cultura da Regina, outros, também, não foram lembrados pelo Órgão: Daniel Azulay, Luís Sepúlveda, Ciro Pessoa, Daisy Lúcidi, além do maior contista brasileiro, Sérgio Andrade Sant’Anna.

É lamentável que tenhamos que conviver com a ineficiência de um governo, que flerta com a ignorância de maneira proposital, e esquece que a Cultura e a Educação são pilares fundamentais para o progresso de uma Nação. Regina Duarte seguirá interpretando uma secretária da Cultura, acostumada com o desprezo aos seus pares e ao ser humano. Nesse palco autoritário, as cortinas permanecem fechadas.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.