Isolamento social e aspectos financeiros na Idade Média
Por: Rodrigo Rainha *
A Idade Média e a Idade Antiga não tiveram uma pandemia, pois não existia, naquele momento, essa conceituação. A expressão latina era chamada de peste ou praga e isso ocorreu nos dois períodos históricos. Elas eram tratadas como um aspecto personalizável, uma ideia de que a morte e a agonia da doença estivessem chegando juntas. Essa sensação física pode ser pensada como notória, e clara, é possível observar a doença caminhando, chegando de cidade em cidade, de relato em relato.
Como não deixavam de acontecer em poucas gerações, a tradição oral contava como as mazelas se moviam e eram avassaladoras. As pragas atingiam, principalmente, as grandes e poderosas cidades – afinal de contas eram as regiões mais populosas, as mais sujas e as que tinham mais interação. As grandes áreas rurais tinham outros flagelos, mas a peste é uma doença de sociedades estabelecidas, de cidades grandes, de comércio e do desenvolvimento, quanto maior mais avassaladora. Constantinopla, em Roma, depois, na Idade Média, em Gênova, Veneza, Paris, Porto, Londres, entre outras são grandes exemplos. Para essas populações ocidentais, a peste significava grandes sinais: sinal de que algo deu errado, anúncio do fim do mundo – várias vezes se apegaram ao apocalipse para a explicar o cavaleiro da doença e da morte, caminhando juntos vindo trazer o terror e o extinção da Terra. Para tentar estancar essas mazelas, as fórmulas recorrentes eram trancar uma cidade, um rei ou um senhor não deixava que ninguém saísse da muralha para não levar a peste. Sendo assim, o isolamento social sempre foi visto como uma solução…
A mais famosa das pestes medievais aconteceu a partir do século XIV na Europa Ocidental e tem um número que chama atenção, 2/3 da população havia morrido em detrimento da Peste – esse número não tem sentido, não existem censos que provem isso, mas um conjunto de indicativos mostram uma estagnação do crescimento populacional, o que já é algo muito grande. Mas o que aconteceu? A Europa ao longo dos séculos X – XII vinha tendo um forte crescimento econômico e, com isso, aumentou as rotas de comércio e as trocas de produtos além de pessoas, como há muito não se via. Acontece que quando populações com menos contato se encontram sempre trocam muito mais do que comércio, trocam seus germes, vírus, variações absolutamente gigantescas, e que de uma população para outra a defesa ainda não está organizada. Por conta de todos estes fatores, o corpo acabou sofrendo um momento até aprender como combater tais “inimigos”. Muitas vezes, os hábitos humanos precisaram ser reconstruídos para dar sentido aquela nova forma de ataque. Afinal, hoje é quase impensável em não tomar um banho como um gesto de higiene e que não devemos comer nossas comidas com as mãos. Contudo, durante a Idade Média, alguns defendiam que banhos eram uma forma perigosa de prazeres e era muito comum comer com as mãos. Absurdo, não, só era um outro mundo.
Enfim, hábitos de higiene questionáveis, aumento das pessoas concentradas nas grandes cidades, circulação de mercadorias e novos vírus, bacilos, bactérias, geraram um conjunto de ciclos ao longo dos séculos XIV e XV chamados de pestes. Engana-se quem imagina que só aconteceu um só episódio, foram vários, diversos. Estas doenças surgiam, iam embora e, depois, voltavam. Desapareciam e reapareciam com uma fúria gigantesca. Seu maior fator? Não poupava ninguém, uma pintura famosa fala da dança da morte e como ela levava reis e rainhas, levava princesas e camponeses, clérigos e pecadores. A morte rondava…
De fato, aponta-se em duas pestilências fundamentais uma mais mortífera e a outra mais horrenda. A mortífera é a peste pulmonar, a pessoa tossia e botava sangue e morria por problemas decorrentes da fraqueza dos pulmões, a outra a peste negra, nesta surgiam feridas enormes nos gânglios inflamados e estes cuspiam um pus escuro e fedorento, menos agressiva no contágio, mas um terror…. Aliás como sempre, é bom lembrar que o medo e a doença sempre andam coladas!!!
Esse contraponto é importante, viver em núcleos urbanos e centros de concentração é estar submetido a problemas com a higiene – os esgotos, os ratos e as baratas são companheiros fiéis e volumosos, analisando bem, a doença e um mal recorrente, pois nosso corpo a combate e a recombate. Este ciclo é um duelo sem fim… o que varia é o que temos para combater… Já se tentou oração, os contos de fada já falaram de heróis que vinham para combater, músicas, santos, até um flautista que levava os ratos… Os gatos já foram acusados e sofreram massacres, mulheres foram queimadas por disseminar a peste, e até os judeus que tinham um hábito de um banho semanal e se contaminavam menos, por isso, foram condenados. A partir do século XVI passamos a abrir os corpos, estudá-los, a ciência, os sanitaristas, as vacinas…. Muito já fizemos, mas nunca devemos duvidar, novas doenças sempre virão.
Rodrigo Rainha – Historiador e Professor da Estácio*