22 de dezembro de 2024
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Grupo da USP cria aplicativo para prevenir a depressão materna

Ferramenta indica intervenções para evitar riscos e incentiva procura por ajuda profissional segundo o quadro apresentado.

Para auxiliar a combater a depressão entre as gestantes, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) elaborou um aplicativo capaz de identificar sintomas depressivos nesse grupo e em mães. Denominada Motherly, a ferramenta indica intervenções para evitar riscos maiores e também incentiva a procura por ajuda profissional de acordo com o quadro apresentado.

De acordo com especialistas, a depressão, um dos problemas de saúde mais discutidos atualmente, tende a ser mais comum entre gestantes e mães do que em outros grupos. Um estudo publicado na revista The Lancet em 2016 aponta que países em desenvolvimento têm taxa de cerca de 25% de depressão durante a gestação.

Monitoramento

O projeto da USP está em processo de desenvolvimento. Uma versão preliminar será lançada em breve para mulheres que se candidataram para participar do período de testes, ainda como parte da pesquisa. Além da saúde mental, o aplicativo também monitora aspectos como peso, qualidade do sono, nutrição e atividades físicas.

Embora não seja possível determinar as causas exatas da prevalência da depressão materna, acredita-se que esteja relacionada às várias mudanças hormonais e fisiológicas que acontecem durante a gravidez. A explicação é de Daniel Fatori, doutor pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP e um dos responsáveis pelo Motherly.

No Brasil, há ainda uma série de fatores que influenciam para que o problema seja mais recorrente, como gravidez precoce e insegurança financeira. “O País é um dos campeões em gestação na adolescência, e isso aumenta o risco de depressão. Além de todos os riscos relacionados à pobreza, como estresse e exposição à violência”, salienta o pesquisador ao Jornal da USP.

Funcionamento

No Motherly, o passo inicial é a gestante responder algumas perguntas que ajudarão a montar o perfil. Dessa forma, já é possível identificar sinais que merecem atenção. O aplicativo percebe indícios de alguma questão que pode se tornar clínica e promove ações.

Para prevenir a depressão, a ferramenta utiliza a chamada “ativação comportamental”. Como explica o pesquisador Daniel Fatori, ela é usada há décadas na clínica psicológica, e incentiva o paciente a fazer atividades das quais gosta ou que lhe são importantes. A técnica parte do pressuposto de que, ao fazer essas ações, os sintomas depressivos são naturalmente atenuados.

“A diferença foi que transformamos essa técnica em uma coisa automatizada. No aplicativo, não há intermédio de seres humanos. Fizemos uma versão automática, obviamente simplificando um pouco do que seria na clínica, para caber dentro do escopo de um aplicativo”, diz o pesquisador.

Ao usar o Motherly, as mães e gestantes também monitoram a qualidade do sono e da alimentação, bem como a prática de exercícios físicos, e recebem dicas de como melhorar cada um desses aspectos da saúde.

Personalização

O aplicativo também é personalizado, de modo que as recomendações que cada usuária recebe são diferentes de acordo com seu perfil: a gestante só entrará no módulo de ativação comportamental, por exemplo, caso apresente sintomas depressivos.

Além das funções interativas, Daniel Fatori destaca que o aplicativo possui muito conteúdo informativo e educacional, que ajudam a sanar diversas dúvidas quanto ao período perinatal. “Em vez de ter que procurar na internet ou confiar em grupos de WhatsApp e informações de pessoas leigas, a mãe ou gestante terá acesso a conteúdo exclusivo feito pela nossa equipe de médicos, dentre psicólogos, nutricionistas e outras especialidades”, afirma.

Um dos fatores que influenciaram a criação do Motherly foi o projeto de pós-doutorado do pesquisador, que coletou dados sobre interação entre mães e crianças recém-nascidas via aplicativo de celular. Daniel Fatori revela que, com o estudo, foi possível perceber que, mesmo em regiões pobres e em situação de vulnerabilidade, as mães tinham acesso a smartphones e foram bastante receptivas a esse tipo de interação.

Testes

Daniel Fatori já fazia parte do grupo de pesquisa do professor Guilherme Polanczyk, do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, que estuda questões relacionadas à primeira infância. Eles decidiram unir as pesquisas à tecnologia, e assim surgiu o Motherly. Além de Fatori e Polanczyk, fazem parte da equipe os psicólogos Adriana Argeu e Pedro Zuccolo, a nutricionista e educadora física Mariana Xavier e a médica pediatra Alicia Matijasevitch.

A fase de testes começa agora. Serão recrutadas mil gestantes entre 16 e 35 anos para participar do estudo. Cada metade delas terá acesso a uma versão do aplicativo: uma mais interativa, que exige participação mais ativa da usuária, e uma mais informativa. As mulheres serão acompanhadas durante a gravidez e os primeiros resultados da pesquisa devem ficar prontos a partir do segundo semestre do ano que vem.

A princípio, o Motherly serve de auxílio para todo o período da gestação e até três meses após o nascimento. Em longo prazo, os pesquisadores querem desenvolver o aplicativo o suficiente para que ele possa ser utilizado até que a criança complete cerca de quatro anos. Os interessados podem obter mais informações sobre a ferramenta pelo site www.motherly.com.br .

Riscos

Além das mulheres, as consequências da depressão podem atingir também os filhos, já que crianças de mães com depressão têm maior risco de nascer com baixo peso, bem como déficit de crescimento e no desenvolvimento cognitivo e motor. Ao longo da vida, elas também têm mais chances de apresentar problemas comportamentais, ter índice escolar ruim e, no futuro, desenvolver transtornos mentais.

“Do ponto de vista psiquiátrico, a depressão na gestação tem uma complexidade própria quanto ao tratamento. Não é qualquer medicamento que pode ser usado. O profissional tem que analisar o custo-benefício de usar alguma medicação”, acrescenta o pesquisador.

Por isso, o mais indicado para gestantes costuma ser a psicoterapia. Acontece que, no Brasil, ter acesso a esse tipo de tratamento é privilégio de poucos. Enquanto o serviço particular tem preços altos para a maioria das pessoas, no Sistema Único de Saúde (SUS), a demanda é muito alta para um baixo número de profissionais.

Juntos, esses fatores custam à sociedade muito mais do que se imagina: um estudo britânico estimou que, no Reino Unido, os custos da depressão e outros problemas relacionados à saúde mental materna podem chegar a 8,1 bilhões de libras por ano, considerando os efeitos diretos nas mães e a longo prazo nas crianças.

Do Portal do Governo