8 de novembro de 2024
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Dívidas não prescrevem em grupos empresariais?

*Por Murilo Aires

A possibilidade de cobrança de dívidas pela via judicial não perdura para sempre; a lei prevê um prazo, denominado prescricional, que deve ser obedecido por aqueles que pretendem recorrer ao Poder Judiciário para exercer seu direito.

A prescrição trata-se de uma ferramenta de extrema relevância no mercado, tendo em vista que, além de permitir o planejamento financeiro daqueles que eventualmente poderiam ser demandados judicialmente para pagar a dívida, possibilita que terceiros que desejem investir nas empresas endividadas por meio de aquisições e fusões, por exemplo, possam ter segurança quanto ao volume, à natureza e aos riscos atrelados ao passivo das empresas investidas.

Sobre essa questão, um posicionamento peculiar foi tomado pelo Judiciário Paulista. Após 13 anos sem o andamento de uma execução, por não se encontrar bens do devedor para pagamento da dívida, a parte que realizava a cobrança requereu a inclusão de outra empresa no processo para pagar o montante devido. A alegação se baseou no fato de que tal empresa havia adquirido o estabelecimento comercial de sociedade que fazia parte do grupo econômico da empresa endividada.

Embora a 11ª Vara Cível de São Paulo tenha negado o pedido com base no  prazo prescricional, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, reverteu a decisão, com o argumento de que não haveria prazo prescricional para a inclusão de empresa do mesmo grupo econômico na execução. Uma vez que a desconsideração da personalidade jurídica poderia ser requerida a qualquer tempo durante o processo (art. 134, Código Civil); ou seja, movida a execução contra o devedor, não haveria nenhum limite temporal para o eventual redirecionamento da cobrança para outras empresas que viessem a compor o grupo.

A decisão proferida pelo Tribunal é surpreendente, considerando que, além de não existir lei que impeça a ocorrência da prescrição no caso, viola a legítima expectativa do devedor de não ser cobrado por dívida mais de 10 anos depois de seu vencimento.

O posicionamento tomado pelo Tribunal paulista toca em questão ainda mais delicada, visto que baseou seus argumentos na formação de grupo econômico que, embora seja estrutura empresarial muito utilizada pelas empresas ao redor do mundo, ainda tem contornos jurídicos incertos no Brasil.

Considerando que os grupos econômicos são fluídos, mal definidos juridicamente e estão sempre se reinventando, o credor acaba por se valer de uma possibilidade perpétua de incluir novas empresas em ações executivas, até que consiga satisfazer sua dívida. Por outro lado, nunca haverá a certeza por parte da sociedade empresária – seja por ser participante do grupo, seja por ter adquirido empresa de um grupo – de que seu patrimônio não será atingido por dívidas muito antigas de outras sociedades, das quais nem mesmo tivesse ou pudesse ter conhecimento.

A decisão argumenta ainda que a desconsideração da personalidade jurídica só tem cabimento quando a execução se frustrar, por não se encontrar bens do devedor, por exemplo, razão pela qual não se poderia alegar que o prazo prescricional começa a contar a partir da iniciativa de cobrança do primeiro devedor. No entanto, parece que a tese não tem correspondência na lei, sendo inclusive refutada pelo próprio Código de Processo Civil, já que permite que o pedido de desconsideração seja feito diretamente no início da ação de execução.

Em verdade, a decisão adota postura temerária de recuperação ostensiva de crédito, transgredindo uma série de preceitos básicos e constitucionais do direito brasileiro, tais como a segurança jurídica e o devido processo legal. De todo modo, diante do afastamento da ocorrência de prescrição, no caso do objeto da decisão do Tribunal paulista, cabe ainda maior atenção daqueles que forem se relacionar com estruturas de grupos, sobretudo em fusões e aquisições empresariais.

*Murilo Aires é advogado especialista em Direito Empresarial e atua no escritório Dosso Toledo Advogados