Drogas: “O Brasil está remando para trás”, diz Terapeuta Ocupacional
Taquaritinguense é especializada em dependência química.
A taquaritinguense Andrea Gallassi, a Tetéia para os amigos, é Terapeuta Ocupacional, formada pela PUC-Campinas, mestre e doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora pelo Centro de Dependência Química e Saúde Mental da Universidade de Toronto, Canadá. Professora da Universidade de Brasília (UnB), já foi Coordenadora-Geral de Capacitação da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), do Ministério da Justiça, e consultora técnica da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde, onde colaborou com as ações do Programa Crack, É Possível Vencer. É coordenadora-geral do grupo de pesquisa Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, da UnB. Destaca-se na área de saúde mental e saúde pública, com ênfase em intervenção psicossocial para pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas e com jovens em conflito com a lei.
Filha do comerciante de cebolas Aleomar Gallassi e da professora Neide Donatti Gallassi, casada com o engenheiro Eduardo Granha Magalhães Gomes, grávida da Elis, Tetéia vem sendo uma crítica às políticas anti-drogas do governo Bolsonaro, em especial ao Ministro da Cidadania, Osmar Terra.
Nessa entrevista exclusiva ao O Defensor, a taquaritinguense esclarece dúvidas e explica a necessidade de se enfrentar o grave problema do uso de álcool e drogas.
O Defensor: Afinal, o Brasil está ou não diante de uma “epidemia de crack”?
Andrea Gallassi: O Brasil mantém mais ou menos os mesmo percentuais de uso de álcool e outras drogas desde 2001, quando foi realizado o primeiro levantamento nacional do uso de drogas na população brasileira; depois deste, quatro outros foram feitos. De um modo geral, quando comparamos o uso de drogas no Brasil com outros países, não somos grandes consumidores. O nosso problema central quando o tema é uso de crack, é a condição de pobreza e de outras vulnerabilidades que as pessoas usuárias vivem. Essas pessoas precisam de acesso a políticas públicas de saúde, educação, trabalho e renda, e menos políticas que só foquem nas drogas em si. Internar essas pessoas sem que elas tenham onde viver, trabalhar, gerar renda depois que saírem da internação, não resolve.
O Defensor: que mudará no combate ao uso de álcool e drogas com a nova política proposta pelo governo federal?
Andrea Gallassi: O governo quer endurecer o tratamento do usuário facilitando as internações involuntárias. Isso é o que está previsto na nova lei sancionada pelo presidente da República de autoria do Deputado Osmar Terra, hoje Ministro da Cidadania. O B
rasil está remando para trás em diversos assuntos, e na questão das drogas não é diferente Vários países vem adotando políticas de drogas mais flexíveis, porque entenderam que o tratamento forçado ou mesmo a criminalização de quem porta drogas para uso pessoal, não diminuiu o número de usuários nem a quantidade de drogas em circulação. O tratamento contra a vontade da pessoa prejudica o que se tem de mais importante para o seu sucesso, que é o vínculo do paciente com o profissional de saúde e a construção da relação terapêutica baseada na confiança. Isso é necessário para que a pessoa possa rever o seu uso de drogas e os prejuízos que tem por conta disso, e mudar seu comportamento. Usar da força só aumenta a resistência da pessoa em querer se tratar. Da mesma forma acontece quando o porte de drogas para uso pessoal é considerado crime. Isso afasta as pessoas do tratamento por medo de serem denunciadas, mas não a desencoraja de usar. É ingenuidade e desconhecimento do gestor público acreditar que ao endurecer a lei, as pessoas por medo vão parar de usar drogas. Esse tipo de medida tem um caráter muito mais eleitoreiro e midiático, do que resolutivo.
O Defensor: Qual sua opinião sobre as clínicas de recuperação de pessoas com dependência de álcool e de outras drogas?
Andrea Gallassi: As evidências científicas demonstram que a internação para o tratamento da dependência química deve ser breve e em locais próximos onde o paciente convive, devendo se evitar internações de longa permanência, em locais afastados da cidade, onde a pessoa fica confinada e com quase nenhum contato com o meio externo. É necessário que seja trabalhado com o paciente sua reinserção social, o enfrentamento de situações e fatores de risco e o fortalecimento de fatores e situações de proteção. Para isso a pessoa tem que estar em contato com o território onde vive, e não em uma instituição fechada. Os Centros de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS AD) são um exemplo de serviço que tem esse perfil, estão próximos ao local de convivência do paciente, oferta atividades psicossociais e trabalha sua reinserção social por meio de projetos de geração de renda, por exemplo. Se o paciente necessitar de uma internação, esta deve ser feita em hospital geral e por um curto período de tempo. Depois da alta, ele retoma seu tratamento no CAPS AD.
O Defensor: As drogas devem ser liberadas? Quais e como devem ser os critérios a serem adotados?
Andrea Gallassi:Eu costumo dizer que as drogas já estão liberadas. É mais fácil comprar um “baseado” de maconha ou alguns gramas de cocaína do que um antibiótico, em que a pessoa precisa de um médico para prescrever o medicamento, ir a uma farmácia e registrar seus dados. Eu trabalho pela regulação das drogas feita pelo Estado e não pelos traficantes, como acontece atualmente. Hoje, as drogas são vendidas sem que haja nenhum controle por parte do Estado, e os lucros deste mercado altamente rentável estão nas mãos de grandes traficantes, na política, inclusive, sem que nenhum centavo caia nos cofres públicos e possa ser utilizado para financiar ações de prevenção e tratamento. A única medida que o Estado faz neste tema é invadir comunidades pobres, e o exemplo do Rio de Janeiro é o mais emblemático, e prender armas e pequenos varejistas de drogas que, no dia seguinte, são substituídos por outros. Nessas guerras, muitos civis morrem, porque adotou-se uma política de “vale tudo” contra as drogas e os traficantes. A consequência disso é que temos a policia que mais mata e mais morre do mundo, somos a 3ª maior população carcerária do mundo e temos quase 4 mil mortes violentas por mês.
O Defensor: Taquaritinga possui importantes associações para tratamento de usuários de álcool e drogas, com destaque para a Comunidade Terapêutica Horto de Deus. A senhora, como taquaritinguense, tem acompanhado esse trabalho?
Andrea Gallassi: O Horto de Deus é uma comunidade terapêutica que existe há muitos anos em Taquaritinga, mas eu não acompanho o trabalho realizado.