8 de dezembro de 2024
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Pais & Filhos: um terço dos antibióticos receitados para crianças é desnecessário

Antibióticos antes dos seis meses de vida estão associados a alergias no futuro, podem tornar a malária mais intensa e seu uso contínuo estaria ligado ao aparecimento do diabetes tipo 1.

Os antibióticos costumam trazer sentimentos conflitantes aos pais. Ao mesmo tempo em que são vistos como a bala de prata em muitas ocasiões – sair com uma receita do consultório dá a sensação de que seu filho vai sarar rápido –, a prescrição indiscriminada é uma preocupação não apenas da família, mas mundial. Estima-se que um terço dos antibióticos seja receitado sem necessidade, de acordo com um estudo da revista da Sociedade de Doenças Infecciosas Pediátricas, do Reino Unido, que acompanhou mais de 6,8 mil crianças em 41 países diferentes. E o uso do medicamento só aumenta: passou de 21,1 bilhões de doses diárias em 2000 para 34,8 bilhões em 2015 nos cinco continentes, um salto de 29%. Em ranking de 65 nações divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil aparece na 17ª colocação dos que mais consomem antibióticos (22 doses diárias), à frente da média dos europeus (18 doses), e de países como Canadá (17 doses) e Japão (14 doses).

Mas é importante que se diga: desde a descoberta da penicilina, o primeiro antibiótico, criado pelo médico e cientista escocês Alexander Fleming, em 1928, os antimicrobianos salvaram milhões de vidas e continuam sendo aliados fundamentais contra bactérias, das mais “bobinhas” às mais perigosas. Estima-se que desde a Segunda Guerra, quando os antibióticos começaram a ser utilizados em maior escala, cerca de 200 milhões de vidas foram salvas pelo achado de Fleming. O problema hoje é o exagero na sua prescrição.

Além do número desmedido de receitas, ainda há o uso irresponsável. Uma pesquisa da American Academy Pediatrics revelou que um grande número de pais admitiu ter dado aos filhos antibióticos receitados a outras pessoas. Muitos aproveitaram sobras de parentes e amigos.

O abuso, desde a infância, leva ao excesso do desenvolvimento das superbactérias. A OMS vem alertando para o fato de estarmos prestes a entrar numa era “pós-antibiótica”, em que parte dos micróbios não é debelada pelas drogas disponíveis. A entidade estima que, se nada for feito, as superbactérias serão as principais responsáveis por mortes em 2050.

Embora seja a mais assustadora, a resistência aos antimicrobianos disponíveis não é a única preocupação. Esse tipo de medicação costuma trazer também problemas para a flora intestinal e, acredita-se, seja uma das causas de doenças autoimunes. Nos Estados Unidos, onde existem fartas estatísticas médicas, erupções cutâneas e comichões levam às emergências 70 mil crianças por ano, de acordo com um levantamento feito entre 2011 e 2015. Os dados são do Centro de Prevenção e Controle de Doenças americano. Antibióticos antes dos seis meses de vida também estão associados a alergias no futuro, podem tornar a malária mais intensa e seu uso contínuo estaria ligado ao aparecimento do diabetes tipo 1.

O motivo por trás disso seria a desorganização da flora intestinal causada por este tipo de medicação. Quando tomamos sem necessidade, as doses matam os micro-organismos “bonzinhos” que habitam nosso intestino, provocando uma bagunça interna que abre o flanco para doenças.

Mas por que, apesar dos riscos, os antibióticos continuam a ser recomendados com tanta frequência? Existem alguns motivos, na visão dos especialistas. Um deles tem a ver com um paradigma social típico da nossa era, ligado ao imediatismo e ao consumo. A pressão da indústria farmacêutica também é bem grave em alguns casos, como ocorre com o antibiótico Benzetacil que, embora sirva para apenas dois tipos de bactérias (sífilis e amigdalite), é muito prescrito.

O início da solução é não correr para os ambulatórios (normalmente reservados para emergências), porque, nesses locais, a tendência é sempre medicar em excesso. O profissional ali presente, na dúvida, quase sempre receita um antibiótico.

É vírus ou bactéria?

Claro que só um profissional pode diagnosticar se a criança foi pega por vírus ou bactéria, por isso, é indispensável levá-la a uma consulta. Em geral, os vilões são os vírus, responsáveis por 90% das infecções que rondam as escolas. Grande parte das tosses que costumam deixar crianças e pais insones, por exemplo, é causada por vírus. E existem alguns sinais típicos para identificá-los. Existem soluções caseiras e comprovadas cientificamente que ajudam a debelar os sintomas: muito líquido, soro no nariz e uma prosaica colher de mel para a tosse antes de dormir. Estudos mostram que uma dose ajuda a reduzir o cof-cof noturno e o desconforto – mas a receita só é indicada a crianças acima de 1 ano, por causa do risco de botulismo. Ao escolher o tipo, eleja os mais escuros, que apresentam um poder antioxidante e antimicrobiano maior do que os clarinhos.

Mas e se o quadro não cede? Há infecções virais bem persistentes, que se estendem por quatro ou cinco dias. Faz parte. No caso de piora nos sintomas, volte ao médico. Um estudo feito por cientistas das universidades de Bristol, Southampton, Oxford e da King’s College de Londres descobriu que os antibióticos foram mais efetivos quando aplicados após uma leve piora em vez de imediatamente após a criança cair de cama. Ou seja, é melhor esperar um tempo para a prescrição ser mais certeira e evitar que a criança tome remédio à toa.

Para driblar os incômodos da medicação, iogurtes com lactobacilos ajudam a reequilibrar e a reorganizar as bactérias intestinais e dão uma força às defesas do corpo. Um estudo de revisão veiculado no European Journal of Public Health que analisou 12 pesquisas em diferentes países, indicou que o uso regular de probióticos pode reduzir, inclusive, a necessidade de antibióticos em até 53%. Um ótimo aliado na luta contra as superbactérias.

Fonte: Revista Crescer