Espiritualidade passa a ser disciplina na faculdade de Medicina
Especialistas apontam o perdão como “meio de cura”.
Nos meios acadêmico e científico, perdão e consciência vêm ganhando espaço, uma vez que estão comprovados os benefícios à saúde a quem cultiva bons sentimentos e deixa para trás rancor, mágoa e raiva. A partir desse entendimento, a disciplina optativa Medicina e Espiritualidade passou a integrar o currículo da faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro.
Os professores baseiam-se na ideia de “medicina integrativa”, a partir da proposta da Carta de Ottawa. Redigida em 1986, ela conclamou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a defender um novo padrão de saúde pública. Segundo o documento, saúde não é apenas “ausência de doença”, mas consequência do bem-estar físico, psicológico, familiar, social e espiritual.
O coordenador da disciplina na UFF, José Genilson Ribeiro, explica: “Na Europa e nos Estados Unidos, cerca de 80% das faculdades já têm essa cadeira no currículo. No Brasil, ainda estamos devagar”.
Responsável pela sua implementação no ano passado, Ribeiro diz que nas aulas são trabalhados os sentimentos. “Acreditamos que a doença começa na alma, se instala no corpo físico, e que é preciso tratar o paciente de maneira integral. Não basta tratar o efeito da doença, mas os aspectos totais. Muitas pessoas têm mágoas e não conseguem perdoar. Isso as deixa presas em suas dores, o que dificulta a melhora física”, assevera.
A disciplina Medicina e Espiritualidade vai além das salas de aulas. Pacientes são atendidos gratuitamente pelo Núcleo de Estudos em Saúde, Medicina e Espiritualidade (Nesme) da UFF, onde atua um grupo de profissionais das áreas de psicologia, medicina e arteterapia.
Carlos Roberto Figueiredo, estudante da Faculdade de Ciências Médicas da Uerj e fundador da Liame – Liga Acadêmica de Medicina e Espiritualidade (Liame). “Criamos a Liame em 2014 com base no aumento do interesse acadêmico-científico pelo tema de saúde e espiritualidade. Em 1998, foi proposta pela OMS a inclusão da dimensão espiritual do ser à sua definição de saúde, convidando-nos a repensar o paradigma científico frente ao diálogo com o sentido espiritual da vida”, lembra.
Perdão é saúde
Diretora da Associação Médica Brasileira (AMB) e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a psiquiatra Carmita Abdo, destaca que há uma comprovação do que é defendido pela disciplina de Medicina e Espiritualidade e pela Liame. São os efeitos, negativos ou positivos, da atuação das substâncias produzidas pelo corpo humano após a experiência de sensações boas ou ruins.
“As emoções levam a modificações de substâncias no organismo. Quando liberamos ocitocina e endorfina, elas nos levam à melhora na imunidade e a sensações de bem-estar. O contrário ocorre com sensações negativas, que liberam substâncias que baixam a imunidade. Com o perdão não é diferente. Quando perdoamos alguém temos a sensação de alívio, de gratificação, o que é revertido em ocitocina”, detalha a profissional.
Essa proximidade da medicina com espiritualidade remete ao Novo Testamento, onde o perdão era parte da mensagem de Jesus e presente nas cartas do apóstolo Paulo.